Entrevista Relator da PEC
tributária deve discutir teto com Tarcísio na terça-feira
Para vigorar no governo Lula, reforma precisa ser votada este ano,diz Braga
Braga: Frase de Lula sobre não cumprimento da meta fiscal “traz um senso de realismo”, em função do cenário externo
“As exceções que foram incluídas no parecer do Senado foram feitas deforma milimétrica”, Eduardo Braga
O relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDBAM), acredita que a janela de chance para fazer uma mudança tributária ainda no mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está prestes a se fechar. Se a reforma não for promulgada este ano, as próprias regras do texto irão impedir sua vigência antes de 2026.
E, para votar neste ano, ele terá que comprimir as negociações: até o dia 7 de novembro irá ouvir governadores e setores sociais afetados pelo texto. Novas emendas, além das 207 já acolhidas, serão analisadas. O texto em seguida irá a plenário, para votação em dois turnos. A proposta vai em seguida para reexame na Câmara, antes de poder ser promulgada em dezembro.
Para garantir a agilidade da tramitação no Congresso, o relator na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), participa das negociações desde já. O senador deve conversar com Ribeiro essa segunda-feira, ao retornar de Manaus para Brasília. Braga também tem reunião na próxima terça-feira com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Braga admitiu que um dos pontos de seu relatório que levantam resistências é o critério da partilha dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que privilegia a divisão pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE), em relação à proporção da população.
Em entrevista ao Valor, Braga lembrou que diversos trechos da matéria terão de ser definidos posteriormente por lei complementar.
Não descartou a possibilidade de novas exceções serem incluídas, embora tenha sinalizado que a trava na carga tributária colocada na PEC limita a expansão das exceções.
“As exceções foram feitas de forma milimétrica”, disse. “Tiramos exceções que foram concedidas. Se algo entrou, algo saiu”. Ele disse que a cobrança de até 1% sobre a extração de recursos não renováveis no Imposto Seletivo pode ser aplicada no caso da extração de petróleo na margem equatorial, alvo de divergências no governo Lula. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Boa parte das modificações feitas em seu parecer foi nas questões federativas, como a divisão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). Como convencer a Câmara a mantê-las?
Eduardo Braga: O cobertor estava muito curto, R$ 40 bilhões de reais eram muito pouco para o tamanho do desafio. Foi um avanço elevar o fundo para R$ 60 bilhões. Agora a discussão está sobre o critério de distribuição do fundo. Optamos por critérios constitucionais, que é o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o da população. Tenho visto manifestações tanto a favor como o contrário. A grande maioria dos senadores, para não dizer a totalidade, acha que isso deve estar no texto constitucional, até para que a gente possa, de uma vez por todas, dirimir essa questão.
Valor: O senhor acha que a questão de partilha será alterada?
Braga: Vários ensaios foram elaborados, mas sempre esbarrávamos na questão de não ter respaldo constitucional. A partir do momento em que estabelecemos um critério de que precisava ser um comando que tivesse respaldo na Constituição, encontramos uma resposta. Estamos usando dois indicadores com mandamentos constitucionais.
Valor: O senhor comentou da possibilidade do aumento do fundo regional. Tem alguma outra negociação em curso com a Fazenda?
Braga: Não sou eu que vou defender aumento de fundo. O que eu estou dizendo é que, em conversas com membros da CCJ, estou ouvindo dizerem que gostariam de que o fundo fosse um pouco maior. Essa PEC muda dois fundamentos definitivamente na economia brasileira. A cobrança do imposto deixa de ser na origem, para ser no destino.
E o instrumento de atração de investimentos deixará de ser fiscal e passará a ser orçamentário financeiro.
O único instrumento que os estados terão será o fundo de desenvolvimento regional. E isso não é para 10 anos, é para os próximos 50 anos. Como relator, me vejo na obrigação de externar isso. Eu sinto que há uma conversa de senadores no sentido de que a demanda dos governadores, de R$ 75 bilhões, que está na carta do Consefaz, seja estabelecida como uma meta deles nessabusca de encontrar o texto ideal para votar.
Valor: Tem sido bastante criticada a criação de uma alíquota favorecida para profissionais liberais. Qual a lógica que levou o senhor a acatar essa excepcionalidade?
Braga: A lógica é que o que foi aprovado pela Câmara tributou tão elevadamente essas profissões regulamentadas que o queaconteceria é que elas ou passariam a ser tributadas na pessoa física ou no Simples Nacional, fazendo com que a arrecadação fosse muito menor. Você imagina os desmontes dos grandes escritórios de advocacia, de engenharia, de contabilidade, os grandes consultórios médicos que não estavam atendidos pelo texto que veio da Câmara. Eu não tenho nenhum problema se houver voto para derrotar esse ponto do meu relatório, é uma questão da democracia. Essas questões se resolvem nos votos. Se tem voto no parlamento para derrotar esse artigo eu não faço nenhum cavalo de batalha. Fizemos uma redução de 30% apenas para que nós pudéssemos aumentar a tributação sobre esses grandes escritórios e ao mesmo tempo não permitíssemos que houvesse o desmonte dessas carreiras.
Valor: Pode haver mais exceções?
Braga: Nós colocamos uma trava de carga tributária nesta reforma, exatamente com receio da explosão da alíquota tributária proposta por um modelo que não tem a econometria, não tem métrica comprovada. As exceções que foram incluídas no parecer do Senado foram feitas de forma milimétrica. Um exemplo é o saneamento básico, que, se fosse mantida a alíquota padrão como veio da Câmara, causaria um desequilíbrio na tarifa de prestação de serviços de saneamento em 5.568 municípios ou teríamos um aumento da conta de água e de esgoto.
Valor: Mas o senhor acha possível que a lista atual seja mudada?
Braga: É certo que os segmentos econômicos vão agir das mais diversas maneiras. Mas o relatório que eu apresentei é um texto que tem métrica, que tem equilíbrio, procurou fazer equilíbrio, se concedeu o benefício de um lado, analisou custo-benefício de outro, reduziu de outros lados. Tiramos exceções que foram concedidas aqui. Se algo entrou, algo saiu. Alguns bilhões de reais foram retirados das exceções para que outros pudessem entrar com custos. Nós buscamos fazer isso com métrica econômica.
Valor: Quando o senhor fala que algo forte saiu, o senhor está se referindo especificamente a quê?
Braga: Ao transporte, que nós tiramos das alíquotas reduzidas e colocamos para um regime diferenciado. São bilhões de reais que estamos economizando para poder estabelecer outros benefícios.
Valor: Um ponto do seu relatório criticado é o do aumento da complexidade. Como vai funcionar a questão da regionalização de itens da cesta básica? Como foi apresentado, determinado produto poderá ser isento em uma região e tributado em outra.
Braga: O que eu vejo é que cada região, como deveria ser, terá sua preferência do que deveria ser melhor para a qualidade nutricional da sua cesta básica. No meu caso, aqui no Amazonas, pode ser peixe, farinha, açaí. No caso do Rio Grande do Sul, pode ser frango, joelho de porco, fubá. Isso não significa dizer que ele não possa estar em todo o território nacional numa cesta estendida, em que o cidadão de baixa renda, através do cashback, continue tendo custo zero do ponto de vista tributário. Há o reconhecimento da regionalização. Ao contrário de ser uma complexidade, é uma vantagem para um país de dimensão continental.
Valor: Sobre o Imposto Seletivo, o senhor colocou 1% para a extração de petróleo. Isso vai acabar impactando a Petrobras. Como está a repercussão disso?
Braga: Coloquei isso por uma questão conceitual. Recursos naturais, não renováveis, deveriam ter um imposto para que o Brasil pudesse investir em ciência, tecnologia, em meio ambiente etc. E na lei complementar você pode fazer diferenciações. Lítio é minério estratégico para o Brasil? Então desonera. Mas e os outros minérios que a gente exporta com zero de imposto, não agregam valor nenhum e não temos a reposição dele nunca mais na natureza? Fica o passivo ambiental e não se geram empregos.
Valor: Então por que a trava em 1%?
Braga: Porque eu acho que 1% é uma trava que não há como você dizer que economicamente é inviável de pagar. Ele [o imposto] tem viabilidade econômica e racionalidade do desenvolvimento econômico sustentável.
Valor: Ao permitir a desoneração via lei complementar para alguns pontos, isso não pode ter impacto nesse equilíbrio?
Braga: A nossa ideia não é apenas a arrecadação, é também a questão do desenvolvimento estratégico. A função do tributo não é apenas a de arrecadar. Ela também tem uma função social. Estamos discutindo agora, por exemplo, o petróleo na faixa equatorial. Provavelmente vamos achar bastante petróleo na faixa equatorial. Não tem refinaria no estado do Amapá, nem no Pará. Esse petróleo com certeza não arrecadará um centavo de IVA nem para o Amapá, nem para o Pará. Se nós não tivermos 1% sobre a extração desse petróleo o que nos restará será tão somente o royalty. Eu creio que é hora de nós ousarmos um pouco mais.
Valor: O senhor mencionou um cronograma com a conclusão da votação no plenário do Senado no dia 9, dando tudo certo. Não há excesso de otimismo?
Braga: O calendário não foi fixado por mim. Foi fixado pelo presidente do Congresso e pelo presidente da CCJ do Senado. O que me cabia era entregar o relatório do dia 25 e eu consegui cumprir o prazo. Topei o desafio de deixar esse relatório durante duas semanas em pedido de vistas, para que a gente pudesse tentar construir — e aí o verbo é realmente tentar construir — um consenso sobre uma matéria que, cá entre nós, não é de governo. Essa reforma tributária é uma reforma de Estado. O Brasil vive um manicômio tributário que precisa ter um fim, e é melhor fim trágico do que tragédia sem fim.
Nós estabelecemos no relatório um prazo de 240 dias depois da promulgação para que o Executivo apresente as leis complementares que são necessárias para a implementação da emenda constitucional, a exemplo do que nós fizemos na PEC da Transição.
Se essa pauta não for promulgada este ano, nós teremos perdido dois anos, porque ela não poderá, pelo princípio da anualidade, acontecer sem ser a partir de 2026. Aí nós perderemos o ano de 2024, perderemos o ano de 2025, perderemos o ano de 2026, perderemos mais uma vez o mandato presidencial, e a reforma tributária não acontecerá.
Valor: A fala do presidente Lula de que o governo não vai conseguir cumprir a meta do déficit zero atrapalha as articulações?
Braga: É uma fala que traz um senso de realismo, porque o cenário que está se construindo é de que, infelizmente, provavelmente nós não vamos conseguir cumprir a meta. Não podemos deixar de levar em consideração que o cenário internacional piorou. Nós estamos com mais uma frente de guerra no cenário internacional. Isso afeta a economia brasileira.