Pedro Maranhão, da Abrema; “O novo prazo para fechamento de lixões é 2024, mas é pouco provável que as prefeituras tenham condições de se adequar ”

Produção é de 390 mil m3/dia, mas o potencial é de 6,1 milhões de m3 a partir dos resíduos sólidos urbanos e do esgoto sanitário

Andrea Vialli
Para o Valor, de São Paulo

Com potencial ainda longe de ser plenamente aproveitado, a geração de biogás e de biometano a partir de aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto pode resolver um duplo problema: criar valor econômico para produtos do tratamento de resíduos e reduzir emissões de gases de efeito estufa, substituindo combustíveis fósseis.

Em 2022 foram mapeadas 91 plantas de biogás no setor de saneamento no país, alta de 32% em sobre o ano anterior. Destas, 66 são de produção de biogás a partir de aterros, com produção diária de 5,5 milhões de m3, segundo o estudo
Panorama do Biogás, do Centro Internacional de Energias Renováveis e Biogás (CIBiogás). Se somadas diferentes matérias primas, como resíduos agrícolas, a contribuição para o setor elétrico é de 105 megawatts — e deve chegar a 236 MW, com a entrada de 47 usinas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a partir de 2022.

Já o aproveitamento do biometano, obtido por meio do refinamento e processamento do biogás por meio do qual são retirados os gases sulfídrico e carbônico e a umidade, o que o torna um substituto do gás natural de origem fóssil, ainda dá os primeiros passos no país. A produção de biometano é de 390 mil m3/dia, mas o potencial é de 6,1 milhões de m3 a partir dos resíduos sólidos urbanos e do esgoto sanitário, segundo a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás). Ao todo, 20 plantas produtoras de biometano entraram em operação no ano passado.

“A produção de biogás e biometano a partir do saneamento tem se mostrado uma alternativa que une o útil ao agradável: de um lado, promove tratamento dos resíduos e, de outro, é um investimento lucrativo para geração de energia renovável”, diz Renata Isfer, presidente executiva da Abiogás.

O biometano deve ganhar impulso na transição energética, por ser uma forma facilitada de se obter hidrogênio de origem renovável. Como a molécula é equivalente à do gás natural fóssil, a infraestrutura de produção e transporte pode ser aproveitada, evitando novos investimentos e tornando o processo mais barato e, principalmente, favorecendo um combustível limpo. As possibilidades de uso do biometano são múltiplas: ele pode ter injeção na rede, em gasodutos dedicados ao combustível ou para o abastecimento de frotas.

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil tinha em 2021 capacidade de reduzir 21,5 milhões de toneladas de hidrogênio a partir do biogás, quantidade suficiente para suprir 21% do consumo mundial do gás. Até 2029, 81 novas usinas de biometano devem ser instaladas no país, com capacidade instalada de 6,6 milhões de m3/dia e investimentos de R$ 11 bilhões, que deverão usar como matéria-prima resíduos de saneamento (52%), do setor sucroenergético (42%), da produção agrícola (5%) e de proteína animal (1%).

A Orizon, que faz gestão de aterros sanitários e tratamento de resíduos, criou a Bio-E, divisão de energias renováveis para ampliar sua atuação nas frentes de biometano e geração de energia a partir do lixo. A empresa, que aposta em uma abordagem de economia circular, processa 10,1 milhões de toneladas por ano de resíduos em 16 aterros sanitários, explorando o potencial energético em diferentes frentes, como geração de energia a partir do biogás, com potência instalada para 96 MW. A entrada no segmento de biometano se deu por meio de uma joint venture com a Compass, do grupo Cosan.
Hoje a companhia produz 100 mil m3/dia de combustível a partir do Ecoparque, aterro anitário em Paulínia (SP). A parceria com a Compass vai permitir ampliar o fornecimento para cerca de 180 mil m3/dia, inicialmente, e potencial para chegar a 300 mil m3/dia. O investimento na produção é estimado em R$ 450 milhões.

Segundo Jorge Rogério Elias, diretor de engenharia e implantação da Orizon, desde 2015 a empresa olha para o biometano, mas como havia ainda incertezas regulatórias e ligadas à tecnologia, decidiu esperar. O primeiro piloto veio em 2021, em Paulínia. “Vínhamos namorando a entrada no mercado de biometano e, a partir de 2022, buscamos tracionar os ativos para esse novo modelo de negócios”, diz o executivo. A demanda, segundo ele, deve vir de indústrias, para uso como substituto do gás natural ou carvão de origem fóssil nos processos industriais e também para o uso como combustível em frotas.
Criar uma economia circular a partir do amplo aproveitamento dos resíduos urbanos encontra gargalos no Brasil. A despeito da legislação vigente a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi sancionada em 2010, uma parte considerável dos resíduos ainda é disposta em lixões ou em aterros controlados, sem impermeabilização do solo e outras tecnologias.

“O novo prazo para fechamento desses lixões é 2024, mas é pouco provável que as prefeituras tenham condições de se adequar. Esse é mais um retrato de nossas desigualdades regionais”, afirma Pedro Maranhão, presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Segundo ele, o problema é mais grave entre os municípios de médio e pequeno porte, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, que registram uma destinação correta muito abaixo da média nacional de 36,6% e 37,2%, respectivamente.

Crise climática pode agravar falhas em saneamento

Eduardo Geraque
Para o Valor, de São Paulo

O saneamento básico no Brasil pode piorar caso eventos climáticos extremos (grandes secas ou inundações) não sejam incorporados aos planejamentos de curto prazo do setor, avaliam especialistas.
Hoje, chuvas ou estiagem fora da curva expõem a população à falta de água potável e ao esgoto a céu aberto. O contato com o esgoto —como nas enchentes — é fonte para a transmissão de doenças. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas no Brasil por ano devido a doenças ligadas à precariedade no saneamento.

“Estamos no limbo entre bons operadores e operadores deficitários, que mal têm recursos para investir na expansão das redes, quiçá investir em tecnologias de monitoramento de reservatórios, redução de perdas, robustez da infraestrutura hídrica e sanitária. A mudança climática é perceptível e as consequências para os operadores e usuários são inúmeras”, afirma Rubens Filho, gerente de água e oceano do Pacto Global da ONU no Brasil e especialista em sustentabilidade e saúde pública.

Apesar do quadro, empresas mais atreladas à sustentabilidade estão tentando reverter essa situação. Temas como diminuição das perdas e cuidados ambientais nos arredores dos reservatórios, com o plantio de mata ciliar, aumentaram. Alguns desses casos constam do “Panorama da Participação Privada no Saneamento de 2023”.

A Iguá Rio, concessionária de saneamento nas cidades de Miguel Pereira e Paty do Alferes (RJ), implementou um plano que envolve instalação de estação de tratamento de água móvel e campanhas educativas. E o projeto principal da Grupo Águas do Brasil, que atende Araruama, Saquarema e Silva Jardim — também no Rio de Janeiro —, envolve reflorestamento da bacia hidrográfica do rio São
João, onde está localizado o reservatório Juturnaíba (Projeto Ybirá).

A presença de um novo normal climático é mais evidente em regiões com estiagens e cheias mais fortes e frequentes. “Se a empresa não tem outros modos de captação de água, se não tem uma boa gestão dos reservatórios, sente na pele quando precisa acionar a intermitência do serviço, isto é, ficar dias sem ofertar água. Isso impacta diretamente sua receita”, diz Filho. E chuvas muito acima do esperado danificam infraestruturas, interrompendo os serviços, também refletindo na receita.

Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP diz que as empresas precisam incorporar as mudanças climáticas aos seus planos estratégicos com urgência. “Em São Paulo já estamos enfrentando, e vamos continuar a enfrentar ainda mais, períodos de chuvas mais intensos em que não se consegue recarregar adequadamente os reservatórios. Assim como já estão ocorrendo estiagens mais prolongadas”.

Segundo Côrtes, os sistemas de abastecimento de São Paulo foram construídos a partir de premissas mais homogêneas, e não para se adequar a uma dualidade climática cada vez mais constante dos anos 1990 para cá. “A preocupação com a universalização da água e esgoto é fundamental, mas uma adaptação do setor às mudanças climáticas, que infelizmente não tem ocorrido, também é”, diz. o cientista da USP. Ele sugere que se aumente o uso da água de reúso, a partir do tratamento de efluentes. “Dessa forma, o sistema poderia funcionar com mais folga. Tecnologia existe desde os anos 1960”, afirma.

BNDES deve aprovar R$12,7bi para água, esgoto e coleta

Como a necessidade de investimento é grande, precisamos do mercado”
Felipe Villen

Rosangela Capozoli
Para o Valor, de São Paulo

Após os financiamentos minguarem à espera da aprovação final do novo Marco Legal do Saneamento Básico, ocorrida em julho de 2020, o setor começou a deslanchar. Maior banco financiador de saneamento do país, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) somou R$ 21 bilhões em contratos assinados entre 2020 e 2022, contra R$ 3,5 bilhões ao longo dos sete anos anteriores.

Nesse intervalo, o maior volume de recursos, R$ 1,39 bilhão, foi em 2018. Segundo o BNDES, os aportes beneficiaram 22 milhões de pessoas no último biênio, sendo 12 milhões no ano passado.

“A estimativa para este ano é a aprovação de R$ 12,7 bilhões e o desembolso projetado corresponde a R$ 8,5 bilhões, alavancando R$ 48 bilhões”, prevê Felipe Boraim Villen, superintendente da área de infraestrutura do banco. Uma pequena parcela desse montante é aplicada pelos próprios acionistas e outra vem de captação no mercado de capitais e bancos multilaterais, além do aporte de mais financiadores, como bancos de fomento internacionais — neste caso, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) — e de parcerias público-privada (PPPs).

“Estamos em um momento de ampliação de investimentos em saneamento, e os projetos começam a acontecer. É um círculo meio virtuoso. Temos várias opções de investimentos”, diz Villen. Segundo ele, há diferentes caminhos a serem adotados para atender a cada realidade local, a exemplo de investimento público tradicional, prestação municipal do serviço, concessão, PPPs e até emissão de debêntures. “Como a necessidade de investimento é grande, precisamos do mercado”.

A meta, segundo o executivo, é trazer outros players para financiarem juntos a ampliação do acesso ao saneamento básico no país.
“Temos um leque amplo de instrumentos para estruturação e financiamento para todos os tipos de investimentos no saneamento” diz. Para Villen, uma das vantagens em ter o BNDES como principal financiador do setor é a segurança que o banco traz para atrair outros financiadores. À medida em que participa de uma oferta de títulos, o BNDES pode ter uma participação menor no financiamento, ampliando as fontes de recursos. E mesmo com uma fatia menor, funciona como um atrativo para investidores, como gestores e fundos de investimento, que se sentem mais seguros tendo o BNDES na operação. “A capacidade de analisar os projetos passa segurança a esses investidores”, diz Villen.

O banco ainda tem o papel de auxiliar e estruturar os projetos. Neste mês, fez o primeiro financiamento do Finem, que é o crédito por desembolso direto do banco, no valor de R$ 750 milhões, para a Águas do Rio. Considerado o maior projeto de infraestrutura do país e pertencente à Aegea, a companhia vai beneficiar 10 milhões de pessoas de 27 municípios do Estado do Rio de Janeiro. “Trata-se de um processo emblemático, porque o financiamento foi feito junto com o mercado e também com o BID”, diz Villen. O processo foi aprovado em dezembro de 2022.

“E para tudo isso, não existe uma limitação de orçamento”, emenda Eduardo Nali, chefe do departamento de saneamento ambiental do BNDES. Ele diz que o banco apoiará os projetos que se mostrarem saudáveis e financiáveis.
“Essas mudanças que estão ocorrendo na área de saneamento são decorrentes da estratégia do banco, mais do que do Marco Legal”, defende. Entretanto, ele acha difícil o país universalizar o acesso ao saneamento no prazo proposto.
Produção é de 390 mil m3/dia, mas o potencial é de 6,1 milhões de m3 a partir dos resíduos sólidos urbanos e do esgoto sanitário

“Não faltam projetos nem recursos”, garante Nali. “Mas dificilmente estamos falando de universalizar até 2033. É possível que a meta seja alcançada em 2040”, afirma.

O banco de fomento não planeja oferecer taxas subsidiadas aos projetos. O padrão tem sido usar como referência a Taxa de Longo Prazo (TLP), acrescida de um spread. “Isso tem se mostrado competitivo. As linhas têm funcionado bem até agora. A discussão é quando tivermos projetos não tão viáveis comercialmente. Mas os que compõem a carteira hoje são viáveis com taxas de mercado”, ressalta o chefe de departamento.

O custo da universalização está estimado em R$ 700 bilhões. Ainda falta muito para isso. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre saneamento (SNIS) apontam que, em 2020, 84% das residências brasileiras tinham fornecimento de água, 55% contavam com coleta de esgoto e só 51% do esgoto gerado recebia tratamento.

Eleição SELUR

Conforme Edital de Convocação publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 13 de janeiro de 2023, à página 2, reiteramos a referida convocação para...