Bacelar: para relator, será impossível atrair investimentos sem os incentivos
“Definição de incentivos carece de discussão cuidadosa” Pasta da Fazenda
Raphael Di Cunto, Rafael Bitencourt e Marcelo Ribeiro
De Brasília
O governo Lula (PT) finalizou sua proposta para o marco legal para exploração de hidrogênio de baixo carbono após meses de discussões internas. Decidiu sugerir o uso das debêntures incentivadas para financiar os projetos e a inclusão no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), estímulos já oferecidos pela legislação vigente, mas adiar incentivos tributários e regulatórios mais robustos e não permitir o custeio via conta de luz, mostram documentos obtidos pelo Valor.
A minuta do projeto de lei com as regras para exploração do hidrogênio como fonte limpa de energia foi enviada à comissão da Câmara dos Deputados como contribuição e será apresentada nesta terça-feira pela Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia à sociedade civil em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o “Conselhão”.
Esse texto contem as regras para precificação do carbono, para instalação das infraestruturas necessárias, certificação e a taxonomia (o sistema de classificação das diferentes formas de se obter hidrogênio). Já a criação de novos incentivos, sustenta nota técnica da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, deve ser segregada e tratada depois, com foco no desenvolvimento de conteúdo local, da indústria nacional e de mecanismos que incentivem a exportação de valor agregado.
“Enquanto a necessidade premente de estabelecimento de regras institucionais e regulatórias claras e bem definidas é um consenso entre todos os atores envolvidos, entende-se que, dados seus impactos sobre os demais consumidores, contribuintes e sobre a economia em geral, a definição de medidas de incentivos tributários, tarifários ou regulatórios é um tema que carece de discussão cuidadosa”, diz a nota.
Os congressistas, contudo, pretendem insistir. Relator da comissão da Câmara, o deputado Bacelar (PV-BA) diz que os consultores internacionais defendem que será impossível atrair os investimentos dessa forma. “O governo não vai abrir mão de receitas porque, se não tiver os incentivos, elas dificilmente vão existir”, afirma. Segundo ele, o impasse será levado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para mediar o conflito. O setor empresarial também pede um plano de estímulos robusto. “O Brasil tem condições comparativas muito favoráveis para ser protagonista nesse campo, mas não são suficientes para fazer frente as políticas públicas de outros países. Os Estados Unidos vão investir US$ 369 bilhões em programas de transição energética”, diz Leonardo Euler, vice-presidente de assuntos regulatórios e governamentais da Vestas para América Latina, maior produtora mundial de turbinas de energia elétrica.
Na visão do Ministério da Fazenda, o mais adequado é incluir o setor dentro do regime especial do Reidi, que suspende a cobrança de PIS/Cofins sobre investimentos como a compra de máquinas e equipamentos ou prestação de serviços. “Ao permitir a inclusão do hidrogênio para fins de habilitação no regime especial, atende-se o mercado de forma simétrica”, diz a nota. Para isto, bastaria um decreto governamental, com medidas de compensação fiscal.
Os incentivos tributários propostos no Congresso são mais amplos, afirma a equipe econômica do governo, e não há espaço fiscal no Brasil neste momento. Além disso, as medidas também contrariam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ao não estimarem o impacto no Orçamento. O ministério destacou ainda que o setor já pode se beneficiar dos incentivos fiscais das zonas de processamento de exportações (ZPEs), desde que se instale nessas regiões. Outra forma de financiar os projetos seria a emissão de debêntures incentivadas.
O governo também se opôs a que os projetos sejam custeados com subsídios na conta de luz. Isso ocorreria, por exemplo, com a exigência de contratação de parte do fornecimento energético do país tendo o hidrogênio verde como fonte. Os subsídios para energias renováveis, ressalta, têm ajudado a aumentar a conta de encargos do setor, a CDE—o ônus assumido pelos consumidores saltou de R$ 14 bilhões há dez anos para R$ 35 bilhões.
Em nota ao Valor, a Fazenda disse que está convicta de que a discussão sobre incentivos tributários, tarifários ou regulatórios deve ser feita separadamente do marco e que está à disposição para dialogar com o Congresso e construir texto de consenso. “A inclusão do setor no Reidi e o uso das debêntures incentivadas para financiar os projetos é uma das possibilidades que o governo trabalha, contudo, há empecilhos de ordem fiscal a serem superados. Assim, é mais preciso afirmar que a medida, que não precisa de lei para entrar em vigor, está com estudos avançados no governo e pode ser publicada em breve pelo próprio Executivo.”