Das 21 mil obras existentes no país, 8,6 mil estão paralisadas

O Tribunal de Contas da União (TCU) se debruçou, no último dia 18, sobre a carteira de obras financiadas com recursos da União entre 2019 a 2022, com o objetivo de identificar obras paralisadas e inacabadas. Não é novidade que o Brasil tem uma histórica dificuldade de lidar com suas obras de infraestrutura. Entretanto, medidas recentes indicam o es

A avaliação da unidade técnica do TCU, apresentada no Acórdão nº 2.134/2023, de relatoria do ministro Vital do Rêgo, identificou que das 21 mil obras existentes em 2023, 8,6 mil estão paralisadas. Desse total, os principais setores analisados pelo Tribunal foram educação, saúde e desenvolvimento regional.

O TCU identificou que um dos problemas na gestão de obras paralisadas no Brasil é a fragmentação das ações. Em primeiro lugar, a Corte destaca que as medidas que foram adotadas pelos órgãos setoriais não foram suficientes, ou eficazes, para solucionar o problema, uma vez que não houve redução do número de obras paralisadas no período. Já o segundo fator apontado é a aplicação de ações isoladas pelos ministérios dentro de suas áreas de atuação.

No que se refere ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o órgão apontou a existência de obras paralisadas (911), inacabadas (2.606) e canceladas (6.208). Para cada classificação, o FNDE adotou medidas específicas para tentar retomar e viabilizar as obras, mas sem efeitos impactantes, como destacou o acórdão. Desse total, chama atenção o volume de obras canceladas, que totalizaram o repasse de R$ 941 milhões no período e que sequer tiveram as intervenções iniciadas. Em seu voto, o Ministro relator destaca preocupação em relação a devolução dos recursos para a União.

Na saúde, as obras de construção, reforma e ampliação das UBS’s e UPA’s são financiadas principalmente por meio de transferência do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os fundos estaduais, municipais e distrital. O TCU apontou principalmente a fragilidade dos dados do ministério sobre o status das obras, destacando a baixa confiabilidade das informações que foram levantadas pela pasta. Em outras palavras, além da dificuldade de pensar soluções eficazes para conclusão das obras, o MS enfrenta obstáculos para primeiro identificá-las.

Já em relação ao antigo Ministério de Desenvolvimento Regional, que em 2023 teve suas competências distribuídas entre o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional e o Ministério das Cidades, o TCU também aponta fragilidade dos dados levantados, que gera dificuldades para conhecer o número real de obras paralisadas nas pastas.

Segundo o TCU, entre 2019 e 2022, a representatividade dos recursos provenientes de emendas parlamentares na pasta saltou de 15% para 64%, que implicaram na diminuição de verbas discricionárias do ministério de 82% para 26%. Desse total, a Corte aponta que 96% das verbas repassadas pelos parlamentares se concentram em poucas áreas: pavimentação de vias e calçadas ou aquisição de máquinas e equipamentos. Ainda segundo o TCU, isso potencializou os riscos de paralisação de obras, uma vez que se tornou mais difícil a alocação de recursos do ministério em outros contratos sob sua guarda.

Após analisar as dificuldades de cada área, o TCU concluiu que os desafios que causam a paralisação das obras são quase os mesmos. Contudo, as ações de enfrentamento não foram padronizadas e não foram alinhadas pelos órgãos da administração. Em outras palavras, destacou-se que faltou orientação dos órgãos centrais, deixando cada ministério agir de forma isolada e, segundo o Tribunal, sem resultados eficazes.

A ausência de comando do Executivo federal durante o período também gerou a ausência de metas comuns. No caso do antigo Ministério de Desenvolvimento Regional, a falta de coordenação gerou uma carteira volumosa de investimentos, decorrentes dos repasses de emendas parlamentares, mas quase toda voltada para novas obras, sem contemplar, de maneira estratégica, o rol de obras paralisadas da pasta.

O acórdão determinou ao governo federal a adoção das seguintes medidas: (I) levantamento sobre cada uma das obras paralisadas sob sua responsabilidade; (II) elaboração de um plano central, indicando objetivos, estratégias e critérios de prioridade comuns; (III) construção de planos táticos voltados para os problemas de cada setor, mas vinculados às diretrizes gerais de governo.

Outras medidas desenvolvidas pelo governo federal a partir de 2023 foram destacadas pelo TCU, como a plataforma “Mãos à Obra”, voltada para atualizar a situação das obras que são realizadas em parceria com estados e municípios. Contudo, o Tribunal faz a ressalva de que é necessário ampliar o escopo dessa medida, para, assim, abarcar a totalidade de obras que contam com recursos federais.

No âmbito da educação, o acórdão ressaltou a Medida Provisória nº 1.174/2023, que instituía o Pacto Nacional pela Retomada de Obras e Serviços de Engenharia destinados à Educação Básica, mas que, contudo, não foi convertido em lei pelo Congresso Nacional. Também foi apontado como positiva a previsão do novo PAC destinar quantias para a retomada de obras paralisadas.

O governo federal disponibilizou aos demais entes a plataforma obrasgov.br, com o objetivo de promover uma ferramenta única para acompanhar a execução de investimentos em infraestrutura.

O Estado do Rio de Janeiro foi o primeiro a aderir a esse instrumento, que além de ter o potencial de auxiliar a adoção de estratégias centrais e o monitoramento das obras, como deseja o TCU, é uma importante medida de promoção da transparência e de controle social.

Portanto, espera-se que os objetivos do TCU apreciados no Acórdão nº 2134/2023, de induzir a atuação dos governos, em todas as esferas federativas, para aprimorar a gestão da carteira de obras, em especial aquelas que se encontram paralisadas/inacabadas, se concretize. O Tribunal precisará se manter atento no monitoramento das medidas descritas acima, valendo-se da “caixa de ferramentas” do direito administrativo, como é o caso de aplicação do processo estruturante aos processos administrativos.

Destaca-se, ainda, que o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, em decisão monocrática da lavra da conselheira Marianna Willeman no processo nº 107.161-4/23, determinou que um departamento estadual não licitasse ou iniciasse novos contratos enquanto não contasse com dotação suficiente para executar obras em andamento, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A segurança jurídica da execução completa de um contrato administrativo é fundamental para não aumentar o cemitério de obras paralisadas. O desafio é grande e, na mesma proporção, inspirador.

Thaís Marçal é advogada, árbitra e mestre pela Uerj.


Caio Macêdo é advogado