“Maior dificuldade no setor é política, pois requer acordo com prefeituras” Rodrigo Bertoccelli
Taís Hirata
De São Paulo
Os projetos de concessões regionais de resíduos sólidos ganharam tração em 2023. Hoje, a carteira de Caixa e BNDES já chega a 17 iniciativas mapeadas. Só as 13 concessões de consórcios em estudo pela Caixa têm potencial de R$ 14 bilhões em investimentos, estima o banco. No entanto, os desafios para que os projetos saiam do papel são enormes, segundo especialistas que acompanham os estudos.
Hoje, a principal dificuldade é política, afirma Rodrigo Bertoccelli, sócio do Felsberg Advogados. No segmento de resíduos sólidos, o principal formato de regionalização que tem sido adotado é o consórcio, o que demanda necessidade de acordo entre as prefeituras. Essa articulação é apontada como algo muito difícil, principalmente às vésperas de um ano eleitoral nas prefeituras.
“Os contratos regionais que estão sendo estruturados hoje são bem maiores do que aqueles já firmados, são projetos que chegam a 20 municípios. Então é muito complexo, muitas vezes as questões políticas contaminam o projeto”, diz Bertoccelli.
Outro grande desafio dos projetos é a questão da tarifa pelos serviços. Primeiro, porque as prefeituras resistem em instituir a cobrança em ano eleitoral.
Segundo, porque muitas vezes as companhias de água e esgoto têm se recusado a fazer a cobrança do lixo — um mecanismo considerado determinante para a implementação da tarifa. “Os prestadores de água não estão colaborando. Apesar de a lei prever a cobrança dos resíduos na conta de água, de termos normas da ANA [Agência Nacional de Águas] sobre isso, há resistência”, afirma Wladimir Ribeiro, sócio do Manesco Advogados.
Um problema adicional que as equipes de estruturação das concessões têm encontrado é a falta de capacidade técnica e de planejamento em muitas prefeituras. Isso faz com que o prazo para a modelagem seja muito longo, porque a etapa de estudos precisa contemplar a estruturação da própria política pública dos municípios, afirma Ribeiro. “Quando se começa a modelagem, a cidade não tem uma lei municipal de resíduos, não tem diagnóstico sobre os serviços. Então a equipe é obrigada a estruturar todo o sistema de informação, apoiar o planejamento, a estruturação dos órgãos de regulação. Isso faz com que se demore muito mais”, diz o advogado.
Além de todas essas dificuldades, outro desafio tem sido incorporar, nessas novas concessões, novas tecnologias de reaproveitamento de resíduos, como geração de energia e combustíveis a partir do lixo, sem gerar uma cobrança excessivamente alta na visão das prefeituras, destaca Bertoccelli.
Na avaliação de Frederico Ribeiro, sócio da consultoria Rafar PPP, a expectativa é que no futuro essas novas tecnologias e formas de reaproveitar o lixo ajudem os projetos a fechar a conta, já que se tornarão receitas adicionais para os operadores.
No entanto, hoje esse cenário ainda não é uma realidade, devido ao alto custo de implementação. “São alternativas que carecem de investimentos mais vultuosos. Hoje isso é possível de duas formas: ou pela tarifa ou as gestões municipais assumem a diferença e pagam contra prestações públicas ao operador”, diz.
Para Ribeiro, a expectativa é que, com o tempo, os próprios operadores passem a contar com esses mecanismos de aproveitamento do lixo, sem que necessariamente a inclusão das tecnologias seja contemplada nos contratos.
“É o que vimos no segmento de iluminação pública, em que os descontos oferecidos nos leilões têm sido altos, porque as empresas apostam que haverá redução de preço de insumos para receitas acessórias inovadoras. No médio prazo, talvez isso ocorra em resíduos sólidos”, afirma.
Apesar dos diversos problemas, analistas e empresas do setor veem o avanço dos projetos. “Há dificuldades, mas muitas oportunidades”, diz Bertoccelli. Para Ribeiro, da Radar PPP, há uma expectativa positiva de atração de novos grupos ao segmento. “É um setor que permite mais competição do que o mercado de água e esgoto e tem muita possibilidade de entrantes, porque o nível de investimentos é menor.”
O BNDES, que já está estruturando um projeto do segmento, (no Amapá), e tem ao menos outros três em tratativas para assinatura (em Goiás e em dois consórcios), também destaca a importância dos arranjos regionais para o combate aos lixões.
“Praticamente metade dos municípios do país encaminha os resíduos para lixões. Essa situação acentua-se em municípios menores, onde o custo de instalação e de operação de uma solução individual é muito elevado. O compartilhamento de infraestruturas entre municípios é relevante para geração de escala e redução de custos, embora poucas iniciativas desse tipo tenham sido implementadas até o momento”, disse, em nota.
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), há 258 consórcios voltados a resíduos sólidos, com um total de 3.093 municípios consorciados— o que não significa que a prestação do serviço dessas cidades é regionalizada e que a destinação de resíduos é regular. Segundo a entidade, “as ações federais de indução para criação e fortalecimento de consórcios públicos de resíduos sólidos ainda é incipiente e carece de maior investimento.”
As empresas que já operam aterros sanitários também veem com bons olhos o avanço dos projetos, mas enxergam o ritmo dos leilões como insuficiente, afirma Pedro Maranhão, presidente da Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente). “A Caixa, mesmo com toda sua equipe técnica e capilaridade, fez dois leilões em seis, sete anos. Tem alguma coisa errada.”
As companhias têm defendido a regulamentação de outra forma de regionalização: a possibilidade de cidades firmarem, sem licitação, contratos de longo prazo com aterros próximos. A proposta, porém, é controversa no setor.