O governador do Estado do Pará, Helder Barbalho: “A junção das pessoas com o meio ambiente é uma fórmula sustentável de sucesso”

Fernando Exman e Andrea Jubé

De Brasília
 

Engajado na organização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP) 30, que terá Belém como sede em 2025, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), antecipou em entrevista ao Valor um pacote de ações com foco na transição energética, a fim de deixar no passado a marca de uma das cidades mais poluentes, que já caracterizou a capital paraense.

As principais medidas — que ele anunciará no fim de novembro, na COP 28, em Dubai — contemplam a primeira comercialização de carbono entre um ente público e um privado, um plano de restauração de áreas degradadas e uma política de pagamento a famílias da agricultura familiar pela preservação de hectares de floresta viva.

O conjunto de esforços visa a recuperar a imagem de Belém e do Estado, já que a capital sediará a primeira cúpula do clima na região da floresta Amazônica. Em 2021, o Pará foi considerado o principal emissor bruto de gases de efeito estufa no Brasil, responsável por 18,5% do total nacional, segundo ranking que foi elaborado pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
O governador também revelou que está dialogando com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, sobre a elaboração de um plano de financiamento para que a companhia destine recursos para a preservação da Amazônia, e investimentos na bioeconomia e na transição ecológica. Ele argumenta que, na condição de empresa controlada pela União, a companhia tem o dever de atuar como ferramenta estratégica para viabilizar a transição energética.

Há três semanas, ele recebeu em Belém uma comitiva das Nações Unidas para inspecionar as primeiras ações relativas à organização da COP 30, que deverá receber um público estimado em 30 mil pessoas. Segundo o governador, o grupo avalizou as medidas em andamento nas áreas de segurança, mobilidade urbana, hotelaria, logística, entre outras.

Os preparativos vislumbram a oferta de navios e outras embarcações para reforçar a rede hoteleira. Na área de mobilidade, haverá renovação da frota de ônibus e a aquisição de 70 ônibus elétricos com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Como futura sede da COP, o governo do Pará irá fazer algum pacote de anúncios durante a próxima conferência do clima, em Dubai?
Helder Barbalho: Vamos apresentar o Plano Estadual de Restauro, que é a estratégia do governo do Pará para recuperação de áreas verdes degradadas. O governo estadual, além da preservação de seu estoque florestal, que hoje está na casa de 76%, apresenta um plano para restaurar áreas que um dia foram de floresta, mas que passaram pelo processo de degradação. Nossa meta é recuperar 6,71 milhões de hectares até 2040.
Valor: Algo mais no horizonte?
Helder: Também deve ser apresentado o primeiro plano de preservação com pagamento por serviços ambientais. E vamos fazer a primeira comercialização pública de carbono transacionada entre o poder público e um ente privado.
Valor: Como vai funcionar o plano de conservação?
Helder: Vamos operar, inicialmente, com mil famílias da agricultura familiar, que passarão a receber um valor anual por hectare de floresta preservado. Ao invés de estarem em atividades de plantio, elas passarão a receber pela conservação da floresta. A princípio, estamos falando em R$ 1,2 mil por hectare restaurado ao ano.
Valor: E sobre a comercialização do crédito de carbono? Ela será feita sob qual arcabouço legal, uma vez que o Congresso Nacional ainda discute o assunto?
Helder: Estamos construindo nosso sistema jurisdicional de REDD+ [reduções de emissões de gases e aumento de estoques de carbono florestal], incluindo populações indígenas, quilombolas e extrativistas. Vamos criar uma entidade estatal para gerir esses ativos ambientais. Dentro desse sistema, vamos fazer a primeira operação através da coalizão empresarial LEAF Coalition, que é uma das mais importantes do mundo.
Valor: Vai servir de modelo para o debate em curso no Brasil?
Helder: Muito provavelmente será um importante sinalizador nesse contexto. Valor: Ainda sobre sua participação na COP em Dubai: o Pará está enfrentando uma seca terrível nessa crise climática. O senhor espera ser questionado sobre essa estiagem na região amazônica? Helder: Todas essas incidências da crise climática devem ser vistas como alertas que o meio ambiente está dando à sociedade global. Estamos falando da maior bacia hidrográfica do mundo, que sofre em uma região desta bacia uma estiagem sem precedentes. Isso só aumenta a urgência para que cheguemos a soluções que sejam definitivas.
Valor: Mas essas soluções são possíveis?
Helder: Na Cúpula da Amazônia já discutimos isso. ACOP 28 será mais um momento para cada país revisitar as suas metas, revisitar os seus planos e implementar suas iniciativas. O meio ambiente reage a todo instante.
Valor: O governo vai decretar estado de emergência no Pará por causa da estiagem?
Helder: Incluímos 19 municípios na medida provisória de apoio às cidades atingidas pelas estiagens.
Valor: E sobre os preparativos para a COP 30 em Belém? O senhor deverá ser questionado sobre isso em Dubai. Vai demandar bastante em investimento, logística, esforço de segurança…
Helder: Já fizemos um diagnóstico dos desafios do Estado. Consultorias especializadas fizeram esse diagnóstico e discutiram conosco as soluções, principalmente de hospedagem, mobilidade urbana, comunicação, infraestrutura, logística de atendimento.
Valor: Quais os desafios na área de segurança?
Helder: Há cerca de três semanas, a comissão da ONU [responsável pela COP] fez uma imersão de três dias em Belém, onde tiveram todas as respostas necessárias para isso. Nos transmitiram absoluta confiança e o reconhecimento de que o trabalho está sendo feito pelo governo brasileiro e estadual dentro do planejado e do esperado. Teremos todas as condições de fazer um evento que será o mais extraordinário de discussão climática da história das Nações Unidas por ser na Amazônia.
Valor: O senhor está contando com a presença do Exército nas ruas, força nacional de segurança? Porque virão muitas autoridades…
Helder: Nós vamos cumprir o protocolo das Nações Unidas. Cada chefe de Estado tem seu nível de exigências e protocolo. Já apresentamos à ONU o esquema montado no âmbito estadual. Até 2025 vamos contratar mais 4 mil novos policiais. Estamos fazendo o maior concurso público da história da Polícia Militar do Pará. E nos últimos quatro anos, incrementamos 8 mil novos servidores na área de segurança. Com isso teremos um efetivo bastante robusto.
Valor: Haverá reforço das forças de segurança nacional?
Helder: Como o sistema de segurança será internacional, é natural que haja a presença aqui da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, das Forças Armadas. Também das instituições de segurança que têm relações com o Brasil, que sejam de âmbito internacional.
Valor: Qual será a solução para a hospedagem?
Helder: As soluções envolvem desde a implementação de novos leitos que ficarão como legado, até a contratação de estratégias provisórias, como navios. Devemos usar também cidades no entorno de Belém, que têm rede hoteleira qualificada. Estamos vendo também imóveis públicos que podem ser requalificados para servirem de receptivos, de utilização de equipamentos públicos, que estarão sendo adaptados para recepcionar os mais diversos públicos que aqui estarão.
Valor: Mobilidade urbana também é uma questão…
Helder: É um desafio de todas as cidades. Em Belém, vamos entregar em 2024 o sistema metropolitano de BRT. E estamos em fase de conclusão para licitar corredores viários e obras de saneamento. Também teremos a implementação de ônibus elétricos compondo a malha de transporte de Belém e da região metropolitana, bem como a renovação da frota do transporte coletivo.
Valor: Quantos ônibus elétricos estarão rodando?
Helder: Neste momento estamos adquirindo 70 ônibus elétricos. E estamos concluindo uma parceria com o BNDES para que Belém seja o primeiro “case” de larga escala na América Latina com meta de universalização de todo o transporte coletivo da capital formado por ônibus elétricos. O BNDES ainda está estruturando, mas ficará perto de R$1 bilhão.
Valor: Fará parte do PAC?
Helder: Entrará como financiamento pelo BNDES. O PAC prevê R$ 1 bilhão em investimentos na mobilidade urbana, e estamos na fase do detalhamento dos projetos. Vamos iniciar a licitação dessas obras ainda neste ano para que a execução dos recursos aconteça já no primeiro semestre de 2024. E m paralelo a isso, obras executadas com orçamento do Estado estão em execução.
Valor: Vai dar tempo de concluir todos os preparativos?
Helder: Temos praticamente dois anos. A mensagem da ONU é de que o Pará está agindo de forma planejada, e até se antecipando ao que costumeiramente eles veem. Vamos mostrar que o Estado que significava o maior problema ambiental do Brasil passou a ser a grande solução. E deixar um legado de infraestrutura para a cidade de Belém e para a região metropolitana, com repercussões para os moradores e para a economia paraense.
Valor: O que está achando das discussões sobre transição energética? Vemos governo e Congresso se mobilizando, assim como discussões sobre o plano de negócios da Petrobras.O senhor tem expectativa de a companhia ajudar a financiar esse processo?
Helder: Tenho defendido, e já o fiz publicamente, que a Petrobras deve ser uma ferramenta estratégica de financiamento da transição energética e ecológica do Brasil a partir do seu papel de empresa de capital público. Ela pode cumprir o papel de importante braço financiador da pesquisa, da inovação, do conhecimento para a diversificação da matriz energética do Brasil, com a redução da dependência de matrizes fósseis, e a implementação de estratégias eólicas, fotovoltaicas, de hidrogênio verde, além de transição ecológica.
Valor: O que seria essa transição ecológica na visão do senhor?
Helder: É a implementação de um melhor uso do território amazônico a partir da valorização da floresta viva, implementando políticas de economia verde para que a floresta viva possa valer mais que a morta. O uso da ciência e a tecnologia para estudar e impulsionar a nossa biodiversidade é fundamental para implementar a bioeconomia como nossa vocação, e estabelecera valoração do ativo florestal, partindo da premissa de que urgem estratégias como a da Noruega.
Valor: Por que esse modelo de lá deve inspirar o Brasil?
Helder: A Noruega fez da indústria petrolífera uma fonte de financiamento, inclusive, para o Fundo Amazônia. Por isso, devemos enxergar a operação da Petrobras como um vetor pelo qual a preservação florestal possa acontecer.
Valor: Mas essa transição não excluiria a exploração de novas fronteiras, como o petróleo na margem equatorial do rio Amazonas. Isso está no contexto da presença da Petrobras na Amazônia?
Helder: Hoje ela atua na área de gás na Amazônia, particular mente no Amazonas e no Pará. Não enxergamos a atividade petrolífera como vocação do Estado, a nossa vocação é a valorização da floresta e do emprego verde. Precisamos de estratégias para que o Brasil não precise mais de combustíveis fósseis.
Valor: É uma realidade distante?
Helder: Deve ser uma meta a ser perseguida. Claro que o processo de busca desta meta já é uma transição. Não podemos virar a chave e imaginar que seria possível hoje o Brasil abrir mão desta matriz. Isso pressupõe uma desaceleração na lógica da matriz fóssil, e um fortalecimento e a aceleração de busca de outras matrizes.
Valor: O senhor tem discutido esse assunto com o governo federal?
Helder: Tenho conversado sobre isso com o presidente da Petrobras. Ele tem se demonstrado muito sensível [ao tema]. Estabelecemos um calendário para que até janeiro a Petrobras possa apresentar um plano de financiamento voltado para o fortalecimento do bioma amazônico, a partir da valorização da floresta em pé, da floresta viva.
Valor: Já há a sinalização de algum valor?
Helder: Acertamos que até janeiro estaríamos lançando um plano ousado de financiamento pela Petrobras para a preservação da Amazônia, garantindo iniciativas de transição ecológica. Ele terá um olhar de que floresta pode gerar emprego, desenvolvimento, serviços ambientais, financiar novas economias, cuidar das pessoas. Temos que colocar as pessoas como prioridade porque são 29 milhões de brasileiros que moram aqui. A junção das pessoas com o meio ambiente é uma fórmula sustentável de sucesso.
Valor: O senhor já teve alguma sinalização se será liberada a exploração de petróleo na margem equatorial da bacia Amazônica, mais especificamente no Pará?
Helder: Pelas informações superficiais que tenho, a Petrobras está respondendo aos questionamentos colocados pelo Ibama para mostrar ser viável ambientalmente [a exploração]. Isso é uma premissa. Eu não concordaria com qualquer medida que não colocasse o meio ambiente como prioridade.