Crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Não é de hoje que a população brasileira testemunha, nos diversos níveis administrativos
do país, casos de contratações públicas complexas interrompidas, muitas vezes, pela
incapacidade técnica das empresas envolvidas nos projetos, mas que apresentaram
preços atrativos, porém inexequíveis. Prefeituras pelo Brasil a fora sofrem com serviços de
primeira necessidade sendo descontinuados ou prestados de maneira intermitente. O que
explica essa situação? A resposta é muito simples: a forma de licitar serviços e obras de
engenharia pelas prefeituras e governos estaduais.

Um dos principais pontos de crítica para a contratação dos serviços de engenharia é o
enfoque dado ao menor custo inicial para a administração pública como fator
determinante para firmar contratos com o setor público. Afinal, quem de nós contrataria a
empresa mais barata para fazer um projeto, operar infraestruturas urbanas ou executar
uma obra de engenharia? Melhor seria, por óbvio, analisar a qualidade técnica das
empresas e, a partir daí, escolher a de melhor custo-benefício. Atualmente, não há
consideração necessária com o custo total do contrato nem análise de critérios
qualitativos e de saúde econômica das empresas.

Essa ingrata realidade finalmente começou a ser corrigida com a aprovação recente do PL
3954/2023 pelo Congresso Nacional. A proposta altera a Lei 14.133/2021, a nova Lei de
Licitações, e define que a contratação de serviços de engenharia orçados com valor
superior a R$ 1,5 milhão deve ser por meio de disputa que considere técnica e preço.
Abaixo desse valor, a Administração Pública poderá continuar contratando serviços de
engenharia por meio de disputa aberta, como se adquirisse peças de prateleiras,
completamente padronizáveis, o que, apesar de inadequado, foi o politicamente viável.

Infelizmente, o texto aprovado no Congresso tem sido torpedeado pela desinformação. As
primeiras notícias, apressadas, quase prontas, afirmavam que haveria formação de cartéis.
Faltou avisar que o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, órgão de classe dos
engenheiros do país, há muito já debateu sobre o tema, chegando à conclusão que não
deveria existir serviço de engenharia licitado por meio de pregões, onde o apelo pelo menor
preço e o desprezo pela técnica geraria exatamente a situação que vivemos hoje.

Tampouco se comentou que o US Army Corps of Engineers, agência de engenharia dos
Estados Unidos conhecida mundialmente por sua excelência, analisou, nos idos anos de
2003, se as contratações na área de engenharia seriam viáveis por meio de pregões. A
conclusão que obtiveram foi de que contratações de engenharia não se assemelham em
nada a commodities ou a produtos de prateleira e que, tampouco, há evidências que
mostrem economias geradas na sua contratação por pregão. Portanto, deveriam
considerar técnica e preço.

É necessário enfatizar também que, no campo jurídico, a Lei 14.133/2021 possui
comandos contraditórios em seu texto: os conhecidos artigos 29 e 56 apontam para
caminhos diversos nas licitações de engenharia, ora apontando pela inviabilidade, ora pela
viabilidade dos pregões para serviços de engenharia. Ao final, o que temos é uma série de
interpretações tomadas pelo corpo burocrático do Estado, que não consideram a
qualidade dos serviços a serem prestados, mas apenas a segurança do agente público
que avalia as licitações e atua em condições caóticas de interpretação da lei.

O PL recém-aprovado pelo Congresso, que contou com a unanimidade dos senadores e
ampla maioria dos deputados, resolve a questão ao estabelecer um critério claro e objetivo
para categorizar as licitações de engenharia: acima de R$ 1,5 milhão, sempre por técnica e
preço; abaixo desse valor, está permitido o pregão. Essa é uma proposta que concilia
aspectos técnicos e políticos, atenta às demandas dos especialistas do setor e aprovada
por uma grande coalisão de forças que uniu o governo e a oposição.

Com a nova lei em vigor, afasta-se o fantasma da insegurança e espera-se que a
qualificação da empresa, os recursos disponíveis, a expertise, a inovação tecnológica e
outros atributos passem a ser considerados durante o processo licitatório, tudo de acordo
com o estabelecido no edital e delineado pelo orçamento definido. Não há ameaças à
transparência nem risco maior de corrupção, pois os mecanismos de segurança ligados a
esses fatores estão preservados. Não haverá grandes transformações processuais,
apenas mais clareza de para a escolha do “melhor preço” em vez do “menor preço”.

No setor de resíduos sólidos, por exemplo, a flexibilização inadequada para a contratação
de serviços especializados imposta pelo pregão eletrônico resultou na aprovação de
propostas com valores irrealistas, tornando os serviços muitas vezes inexequíveis, de
baixa qualidade, com longos atrasos e até cancelamentos de contratos.

Com a modernização trazida pelo PL em questão, afastam-se eventuais aventureiros que,
quase sempre, utilizam-se das falhas do sistema legal para vencer a concorrência,
apresentando preços que, em vez de representar economia para os cofres públicos,
acabam gerando ainda mais despesas com serviços precários que em muitas situações
são descontinuados, com prejuízos para todos.

Neste setor, a nova regra contribuirá para garantir serviços de coleta ininterruptos em
todos os municípios brasileiros, seguros ao trabalhador e pautados pela qualidade, além
de contribuir para a expansão da rede de aterros sanitários pelo Brasil e estimular a
extinção dos lixões. Com essas alterações legais, ficam assegurados critérios que
deveriam ser inegociáveis, mas que eram ignorados em contratações de empresas de
engenharia sem a capacitação adequada que apresentavam preços convidativos, mas que
chegavam colocar em risco tanto a segurança do trabalhador, que deve ser garantida com
equipamentos de qualidade e treinamentos constantes, quanto a saúde de milhões de
brasileiros.

Mais que segurança jurídica para contratante e contratado, a modernização da lei de
licitações amplia o respeito à sociedade que financia essas contratações e exige serviços
de qualidade, prazos adequados e sem desperdícios de recursos públicos. É um direito de
todos e uma obrigação da Administração Pública.

PEDRO MARANHÃO – Economista, ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema)

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-evolucao-necessaria-para-contratacao-de-servicos-de-engenharia-no-brasil-22122023/amp