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Incorporar as melhores práticas internacionais sobre o tema, modelar concessões com neutralização de carbono e preencher os requisitos para os financiamentos focados nessa frente parecem medidas óbvias porque já consolidadas
Há muitos temas a serem discutidos para amadurecer o setor de resíduos sólidos. Segmento menos iluminado da agenda nacional de saneamento básico, mas crucial para a promoção cotidiana do meio ambiente e da saúde da população, o mercado de resíduos sólidos tem potencial para encontrar seu lugar na fila dos comemorados programas de parcerias de investimento com a iniciativa privada. E quer, acredita que é uma questão de tempo.
Bom começar pelo começo. Seguem seis ideias, nada inovadoras, que refletem a urgente profissionalização de um mercado que decidiu se sentar na mesma mesa dos demais atores de infraestrutura de longo prazo. Não precisa inventar nada, nem criar instituição nova. É olhar para o lado e customizar a farta experiência disponível.
Primeiro, não precisamos, depois que todos os demais setores já aprenderam a lição, insistir no erro de utilizar critério de julgamento que incita aventureiros. Leilão que garante concessionária com fôlego financeiro para fazer investimento e prestar serviço de qualidade é leilão por outorga. Machucar a tarifa é confundir modicidade tarifária com populismo tarifário. Há inúmeros exemplos inteligentes de como conferir modicidade, sem renunciar ao que importa para o usuário: realização dos investimentos e incremento da qualidade do serviço.
Segundo, não há justificativa para usar a melhor técnica como critério de julgamento no setor de resíduos. Todos os setores, inclusive tecnicamente mais complexos, já abandonaram há tempos esse critério de julgamento, além de habilitações técnicas antiquadas. Trata-se de eliminar a alta subjetividade, alimento da litigiosidade, e ampliar concorrência, passando pelo compromisso de não apenas ser, mas também parecer ser um setor cujas licitações são republicanas. É o caminho para conquistar reputação e credibilidade. Critério de melhor técnica num edital de infraestrutura é passaporte para especulações do atraso, melhor receita para afugentar investidor sério. Custa.
Terceiro, é necessário regulação contratual de receitas acessórias que incentive novos negócios. Não é exagero, as oportunidades são imensas. As toneladas de lixo gerados diariamente podem ser insumos para diversas outras fontes de receitas: biogás, biometano, produção de energia e tudo mais que as universidades e as empresas vêm desenvolvendo. Mas para fazer em escala, em contratos de longo prazo, é necessário calibrar os incentivos para que entrem na conta como fator relevante. Por exemplo, permitir um tempo de teste antes do compartilhamento ou retirar do caso base em função do alto grau de incerteza são medidas que ajudam a tratar o assunto com menos euforia e mais solidez.
Quarto, se com agência reguladora é difícil conquistar equidistância entre poder concedente e concessionária, imagine sem agência. Mas não adianta lamentar. Onde não tem, é preciso delegar a regulação e a fiscalização para agência estruturada de outro ente federativo. Mesmo onde tem, é necessário mitigar as dificuldades com figuras paralelas (auditores, certificadoras, verificadores independentes etc.) e mecanismos automatizados, a exemplo de estrutura de contas onde os recursos são manuseados por instituições financeiras, blindada das disputas ou devaneios localizados. Se é um risco existente no Brasil, multiplique suas caras e variações pelos milhares de municípios brasileiros. Essas iniciativas, já ordinárias em outros setores, podem conferir segurança ao auferimento de receitas nas concessões municipais, cujo menor grau de institucionalidade escancara os problemas nacionais de fardo regulatório e de demora nas tomadas de decisão.
Quinto, a conta precisa chegar para cada usuário, como é feito com água, luz e todas as outras utilidades nas nossas residências. As tarifas devem flutuar de acordo com a geração de resíduos, concretizando o princípio do poluidor-pagador e incentivando a reciclagem. Assim, vamos aprender a gerar menos lixo, assim como aprendemos a economizar luz. O risco de inadimplência se enfrenta com proteção proporcional à qualidade dos dados disponíveis, como já se faz em projetos greenfields ou quando se inova em setores maduros. Afinal, a boa intenção por trás da ideia de cofaturamento vem junto com o custo de transação com a outra prestadora e o engessamento da gestão comercial. Não resolve, complica. O setor não se emancipa, fica pendurado em outro, apequena-se. Queremos ser vistos e reconhecidos.
Por fim, os incrementos socioambientais não são adendos aqui, nem narrativa publicitária de virtuosismo verde. É o coração do negócio, desde o licenciamento até a geração de créditos de carbono, com altíssimo impacto na empregabilidade, na geração de energia limpa e na saúde pública. Então, incorporar as melhores práticas internacionais sobre o tema, modelar concessões com neutralização de carbono e preencher os requisitos para os financiamentos focados nessa frente parecem medidas óbvias porque já consolidadas. Se a próxima fronteira da infraestrutura vai vingar depende de sua capacidade de tomar atalhos inteligentes. Uma vantagem é poder colher do trabalho feito por seus vizinhos setoriais nos últimos 25 anos.
Carlos Villa e Tarcila Reis são, respectivamente, conselheiro da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB); e professora de Direito da FGV Direito SP e foi subsecretária e secretária de Parcerias do Estado de São Paulo.
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