Pedro Maranhão: “Batalhamos para o primeiro leilão de ‘waste to energy’, porque o Brasil precisa diversificar a matriz”
Rafael Bitencourt e Fábio Couto
De Brasília e Rio
A guerra do lixo ganhou um novo capítulo. Após a Associação Brasileira de Recuperação Energética (Abren) afirmar que as emissões de metano (CH4) provenientes das operações de aterros sanitários no Brasil são significativamente superiores às reportadas em programas de emissão de créditos de carbono, empresas e entidades que atuam na cadeia de aterros sanitários no Brasil reagiram e disseram que é falsa a afirmaçãoe com base em manipulação de dados de fontes oficiais.
Em entrevista ao Valor no fim do ano passado, o presidente da Abren, Yuri Schmitke, afirmou que os aterros sanitários capturam de 30% a 50% das emissões de gás. Segundo o executivo, mais da metade do gás gerado em aterros escapou para atmosfera, contribuindo para o aquecimento global. O presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), Pedro Maranhão, lamentou as falas e disse que a guerra deveria ser contra os lixões, e não contra o setor de aterros sanitários, que promove uma série de serviços ambientais ao país.
De acordo com o dirigente, o processo conhecido como recuperação energética (“waste to energy”, na tradução para o inglês), que são usinas de incineração, ainda apresenta elevados custos de investimento, operação e manutenção para a realidade brasileira. Para torná-lo economicamente viável, são necessários preços diferenciados na contratação de energia desses empreendimentos. “Nós batalhamos para o primeiro leilão de ‘waste to energy’, porque o Brasil precisa diversificar a matriz. O mercado regulado de energia tem energia está na faixa de R$ 150 por megawatt-hora (MWh). O leilão que foi feito com a tecnologia ‘waste to energy’ foi de R$ 580 MWh.
Uma diferença grande e alguém tem que pagar essa conta”, diz Maranhão. No Brasil, a produção anual de resíduos atinge aproximadamente 80 milhões de toneladas. Segundo Maranhão, os aterros sanitários são soluções economicamente viáveis, especialmente diante da presença de 3 mil lixões no país. Atualmente, existem cerca de 670 aterros no Brasil. No entanto, a Abrema estima que seja necessário criar mais 600 instalações desse tipo para gerenciar de forma adequada e ambientalmente responsável a demanda existente.
Quem também saiu em defesa sobre o assunto foi a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás). A presidente da entidade, Renata Isfer, afirmou que o uso da terra hoje é de onde provém as principais emissões e classificou como “desinformação”, o intuito da Abren em desacreditar outras tecnologias de aproveitamento energético. A executiva acrescentou que o estudo denominado “Earth Surface Mineral Dust Source Investigation” (Emit), da Nasa, apresenta emissões de metano de apenas quatro locais no Brasil e não traça uma média das emissões, o que não reflete a totalidade das emissões nacionais. “Essa alegação de que as emissões dos aterros são o dobro das reportadas foi feita com base em um estudo de fotos por um programa que aproveita o satélite da Nasa.
Quem tem acesso a essas imagens é a MDC, que é uma empresa que é uma das nossas associadas. Eles chegaram à conclusão que a margem de erro destas fotos é de 50% a 90% e não têm acuidade científica”, afirmou Isfer.
A dirigente contesta o estudo da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) que menciona uma captura de 30 a 50%, afirmando que o mesmo está focado nos Estados Unidos e não reflete a realidade brasileira, desconsiderando os compromissos firmados pelo Brasil no Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas. A produção estimada pela ABiogás aponta que os aterros sanitários têm a capacidade de gerar cerca de 4,5 milhões de metros cúbicos diários de biometano, equivalente a 1,5 bilhão de litros de diesel. A associação ressalta que uma parcela significativa da demanda nacional por diesel, gasolina, GLP e gás natural é atendida por importações, enquanto o biometano destaca-se por ser produzido internamente.
Outro ponto divergente entre as entidades foi a retirada dos aterros sanitários do Projeto de Lei n o 412, de 2022, relacionado ao mercado de carbono. A Abren disse que a medida foi feita no apagar das luzes no período de Natal, sem discussão com a sociedade e que compromete a viabilidade da meta estabelecida pelo Brasil de reduzir em 30% as emissões de metano até 2030. Maranhão argumentou que, em todo o mundo, o setor de resíduos está excluído do mercado de carbono por ser uma atividade mitigadora de gases de efeito estufa.
Por isso, o setor conseguiu a retirada de aterros do projeto de lei. “Houve muita discussão, mas não teve visibilidade e não aguçou interesse da sociedade”, afirmou. “A imprensa não está interessada”, acrescentou. Apesar de a Abrema dizer que houve discussão suficiente como setor, a Abiogás reconhece que não se aprofundou sobre a questão, por isso não tem posição sobre a polêmica. “Não estudamos este assunto”, disse.