OESP – 19/05/2024
Mais do que impor metas legais, serão necessários esforços em prol da organização de frentes de regionalização e da estruturação de concessões
19/05/2024 | 03h00
A erradicação dos lixões é uma daquelas pautas imbuídas da falsa ideia de que se atribuir metas legais aos governos resolverá as nossas mazelas ambientais. Desde 2010, com a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aguardamos, com data marcada, o cumprimento da eliminação do descarte do lixo a céu aberto pelos municípios brasileiros. Isso deveria ter ocorrido até 2014, mas pouco se avançou nesse objetivo. Com o novo Marco Legal do Saneamento, editado em 2020, novos prazos foram fixados para 2022 e 2024, conforme o tamanho do município. A expectativa é que esse prazo seja novamente prorrogado, pois parece pouco provável que até o final deste ano se consiga cumprir a meta imposta pela PNRS.
A questão é que a mera fixação de metas e prazos não resolverá o problema dos lixões. É necessário ir além e criar as condições para que os titulares do serviço possam avançar com essa pauta. O primeiro passo é compreender que os municípios, sozinhos, não terão a capacidade de conduzir essa agenda, dado que operações de destinação e tratamento do lixo exigem uma política de regionalização. É necessário criar blocos ou agrupamento de municípios com vistas a compartilhar as infraestruturas, otimizar as operações e assegurar a sua autossustentabilidade econômica. A regionalização é o que possibilitará a escala necessária para estruturar operações aptas a não apenas conferir um tratamento ambientalmente adequado ao resíduo sólido, como também viabilizar investimentos em plantas voltadas ao seu reaproveitamento energético.
A regionalização não é estranha a esse setor, mas ela tem sido praticada pontualmente por meio de consórcios formados exclusivamente por municípios, o que tem dificultado a sua proliferação. Estruturas de regionalização integradas e conduzidas pelos Estados podem ser mais viáveis, uma vez que a liderança estadual pode funcionar para superar fricções políticas e lubrificar a composição interfederativa.
O segundo passo em prol da ampliação do tratamento e destinação do resíduo sólido é impulsionar a agenda de concessões no setor. Uma das causas que impediram um desenvolvimento mais significativo desses serviços foi a ausência de cobrança pela sua prestação. Até meados de 2020, quando entrou em vigor o novo marco legal do setor, praticamente a metade dos municípios brasileiros não havia instituído mecanismos de cobrança pela execução do serviço, como taxa ou tarifa. Com a nova lei, a omissão dos titulares do serviço em criar mecanismos de cobrança passou a ser uma prática ilícita, equiparável à renúncia fiscal. Esse dever foi reiterado em norma de referência recentemente editada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, que dispôs acerca das condições de prestação do serviço de manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana. Com isso, as concessões tornam-se a opção preferencial dos titulares para viabilizar a prestação onerosa do serviço.
O modelo das concessões, que infelizmente tem sido subutilizado no setor de manejo de resíduos sólidos, apresenta enormes vantagens comparativamente à prestação direta do serviço pelos municípios. A começar por melhor cumprir o princípio do poluidor-pagador, possibilitando que as tarifas sejam pagas por aquele que usa o serviço e na medida que o faz. Além disso, se bem estruturadas, as concessões poderão viabilizar os necessários investimentos privados na construção de plantas de destinação ambientalmente adequada e reaproveito energético do lixo.
Erradicar os lixões é sim um objetivo factível. Mas, para realizá-lo, mais do que impor metas legais, serão necessários esforços institucionais de Estados e municípios em prol da organização de frentes de regionalização e da estruturação de concessões regionais para viabilizar a prestação adequada dos serviços de manejo do resíduo sólido. Sem iniciativas como essas, é provável que ainda tenhamos de conviver com os famigerados lixões por um bom tempo.
FONTE: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/o-desafio-de-erradicar-os-lixoes/