Valor Econômico – 22/05/2024

Mais de 90% dos municípios brasileiros estão impedidos de receber recursos federais para serviços de resíduos sólidos — restrição que inclui financiamentos da Caixa e do BNDES. Tratam-se de ao menos 5.133 cidades que não cumpriram as normas da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) para instituir tarifas ou taxas destinadas a custear os serviços de lixo. A cobrança é uma obrigação instituída pelo novo marco legal do saneamento de 2020.

O levantamento, referente a 2023, é um primeiro balanço feito pela ANA sobre o atendimento das prefeituras à exigência. A agência, que se tornou órgão regulador de saneamento a partir da nova lei, elegeu as tarifas de lixo como alvo de sua primeira norma de referência no setor, publicada em 2021. A lei determina que municípios em desconformidade com regras da ANA não poderão acessar recursos federais.

Após mais de um adiamento, o prazo para as cidades atenderem à norma sobre a cobrança se encerrou em 20 de abril deste ano. Apenas 437 dos municípios enviaram os dados, e, mesmo entre eles, ainda pode haver prefeituras em desacordo com a legislação. Levantamentos anteriores à regra indicaram que as tarifas de lixo de muitas cidades não cobrem o gasto total com o serviço. Porém, a lei de 2020 exige que a cobrança garanta a sustentabilidade econômico-financeira da operação.

Esse segundo aspecto é alvo de uma nova avaliação da ANA, que deverá atualizar a lista das prefeituras regularizadas até o fim deste ano, afirma Cintia Leal de Araújo, superintendente de Regulação de Saneamento Básico da agência. Na nova etapa, municípios que não enviaram as informações também poderão se adequar.

“Menos de 10% das cidades atenderam à norma. É muito pouco, é alarmante”, diz ela. “A falta de instrumento de cobrança representa uma injustiça social, porque [a prefeitura] está tirando do tributo público, quando poderia estar cobrando de forma proporcional a quem consome. Os mais ricos são beneficiados, porque produzem mais”, afirma

Araújo também observa que a ausência de cobrança é considerada renúncia fiscal, o que pode gerar responsabilização por improbidade administrativa. Porém, isso depende da ação de órgãos de controle — o que não tem acontecido de forma abrangente.

Entre especialistas, há consenso de que sem a cobrança pelo serviço será inviável acabar com os lixões no país, afirma Júlio Mattos, coordenador da Câmara Temática de Resíduos da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) para a região Norte. “Não há saneamento sem cobrança, é algo consensual na área técnica, mas no Poder Executivo ainda há necessidade de se avançar no debate.”

Outro consenso é que o principal desafio é político. “O setor de resíduos é a última fronteira da infraestrutura que não tem tarifa, porque é algo impopular. Neste ano tem eleição municipal, vai ser difícil avançar. Mas os novos prefeitos têm que usar a legitimidade de início do mandato para implementar a tarifa”, afirma Tarcila Reis Jordão, diretora de Desenvolvimento de Concessões e PPPs na Solví e professora da FGV Direito.

Para Araújo, da ANA, uma forma de as prefeituras reduzirem o custo político é delegar a regulação a uma agência (municipal, intermunicipal ou estadual), que por sua vez teria o poder de instituir a tarifa. A criação de taxas, que dependem de aprovação no Legislativo, é mais difícil, diz.

Porém, ela reconhece que 2024 é um ano crítico para a pauta. No setor, a maior referência é o caso da “Martaxa”, apelido dado à ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy quando implementou uma taxa de lixo, depois extinta.

A dificuldade de criar tarifas é também um entrave na estruturação de concessões de resíduos, principalmente em consórcios intermunicipais, que demandam o acordo de vários prefeitos, diz Rodrigo Bertoccelli, sócio do Giamundo Neto Advogados.

Como o tema gera resistência, as concessões em estudo têm buscado minimizar o investimento, para evitar uma tarifa elevada. “No ambiente do consórcio há várias dificuldades, mas a tarifa é uma questão central. Há um consenso hoje, pelo menos nas modelagens atuais, de que os engenheiros não poderão trazer metodologias sofisticadas para tratamento dos resíduos, para evitar um impacto relevante na estrutura tarifária dos primeiros anos.”

Questionado a respeito da baixa adesão das prefeituras à norma da ANA, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) afirma que a “ausência de cobrança, ou a taxa do lixo, não é por falta de interesse dos gestores municipais”, mas sim pela dificuldade de aprovação legislativa. A entidade também diz que a resolução da ANA, de 2021, foi “aprovada com meses de atraso” e que a agência “precisa atuar para divulgar” a norma. A CNM também afirma que falta capacitação técnica dos gestores para implementar a cobrança.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/05/22/92-dos-municipios-descumprem-regra-de-tarifa-de-lixo.ghtml

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