O POPULAR – 08/06/2024

Uma cidade do porte e com os recursos de Goiânia não deveria passar pelo grave problema que enfrente já há tanto tempo na gestão de resíduos sólidos. A frase certamente poderia sair da boca de qualquer morador da capital ou visitante que ela acolhesse, hoje em dia, sem que não houvesse muita contestação: as “crises do lixo” não são novidade e, na última década, se acumularam uma após a outra.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi estabelecida pela Lei Federal 12.305, de 2010, mas a cidade que já chegou a ser conhecida como “ecologicamente correta” entrou na contramão: desde 2011, a área do bairro Chácaras São Joaquim, na saída oeste da Capital, onde as toneladas diárias de descartes dos goianienses são depositadas, deixou de ser considerado um aterro sanitário.

Esse fato impacta para que a opinião que abre o início do texto deixe de ser apenas desabafo, por sair, na verdade, não de uma, mas de duas pessoas que são autoridades no assunto. Uma é o professor Eraldo Henriques de Carvalho, do Núcleo de Resíduos Sólidos e Líquidos (Nursol) da Escola de Engenharia Civil e Ambiental (Eeca) da Universidade Federal de Goiás, um dos maiores especialistas do Estado na questão; a outra, o presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), Pedro Maranhão, também ex-secretário nacional de Saneamento. Essa situação atual do aterro de Goiânia é algo que quem olha de fora não entende”, diz o dirigente da entidade. “Vim para esta cidade em 1998 e (o aterro) era um dos melhores do Brasil naqueles tempos”, completa o professor da UFG.

Na Eeca/UFG, Eraldo é responsável pela pós-graduação em Tratamento e Disposição Final de Resíduos Sólidos e Líquidos. Ele lamenta que à cidade em que velo morar há mais de 25 anos tenha caminhado tanto para trás justamente em sua área. “Em 1998, quando cheguei, a identidade ambiental era já um valor de Goiânia e é inegável que isso ainda segue, como vemos pela preocupação com a arborização dos parques. Mas não dá mais para falar da mesma forma sobre a gestão dos resíduos”, diz.

Recuperando a história, o ponto próximo GO-060, na saída para Trindade, desde 1979 havia se tornado o grande lixão da cidade. Depois, passou ao que se chama de aterro de trincheira – onde os resíduos são jogados em uma vala – para então começar a ser erguido em camadas, formando um maciço, na forma com que é trabalhado atualmente. Mas o que era um aterro sanitário bem-conceituado no País até os primeiros anos do século perdeu esse status por um processo de sucateamento que ocorreu, na visão do professor, por falta de investimento público.

“Aterro é engenharia dinâmica, está sempre em construção. Uma obra civil constante, com tubulações e drenos sendo instalados. E é uma opção política investir nisso ou não”, delineia Eraldo. Para ele, influencia bastante no mau destino do aterro da capital as descontinuidades de ações que as diversas gestões municipais impuseram, bem como a ausência de uma equipe técnica permanente. “(Um aterro) é um empreendimento de maquinário sofisticado, precisa de agilidade em sua gestão, coisa que a administração direta não proporciona com a mesma eficiência do que a cessão a uma empresa terceirizada”, opina.

Até 2007, quem operava o serviço desde a inauguração do aterro sanitário, em 1993, era a Qualix/Enterpa. Foi quando prefeito Iris Rezende (MDB) encerrou o contrato e passou a gestão dos resíduos da capital à Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg). “A realidade se impõe, infelizmente. Não vejo isso que à gestão por uma empresa pública tenha sido uma alternativa assertiva, sendo que naquele momento o aterro se comparava ao que tínhamos de melhor no País. Numa atividade como essa, o que deveria competir ao poder público seria regular e fiscalizar.”

NÚMEROS

Até o início da operação do consórcio Limpa Gyn – cujo contrato com a prefeitura foi suspenso pela Justiça na terça-feira (4) e retomado na sexta-feira (7) -, quando fazia a cadeia completa do sistema na capital, a Comurg calculava a média de 35,5 mil toneladas depositadas ao mês no aterro. Segundo informou a própria empresa, ela recebe R$102,91 por tonelada de resíduos sólidos que chega ao aterro.

Para Pedro Maranhão, são toneladas de desperdício. “Não entendo como Goiânia, cidade moderna, rica, ainda convive com esse tipo de problema. Parece haver uma insistência em continuar assim, ninguém de fora entende.” O dirigente da Abrema vê duas percas com a situação: à falta de aproveitamento dos gases e do próprio chorume; e um gasto maior nas áreas de saúde e meio ambiente, causadas pela inadequação do depósito.

Eraldo e Maranhão concordam em mais um ponto: a coleta de resíduos precisa ter cobrança especificada. “Isso é uma medida que será positiva para a redução do volume e a educação das pessoas quanto à separação de seu lixo”, diz o professor da Eeca/UFG. “Quem produz mais (resíduos) vai pagar mais, é o justo”.

No Brasil o valor considerado mínimo para o tratamento completo de uma tonelada de resíduos em um aterro sanitário moderno se encontra em torno de R$ 120, tem preço médio de R$ 158, mas pode chegar a R$ 379, de acordo com dados da Abrema. “Nos Estados Unidos, o valor máximo chega ao equivalente em dólares a RS84; já na Europa, o valor mínimo é de R$ 232, na conversão da moeda”, aponta o diretor-técnico da entidade, Carlos Rossin.

Dos números apontados se infere que Goiânia hoje pratica com a Comurg um valor mais baixo do que o piso do mercado. Isso não necessariamente é algo positivo: a atividade é naturalmente onerosa, pela complexidade que envolve. Dessa forma, tomando o valor mínimo como R$ 120 para um aterro sanitário moderno, o que dá a entender está numa conclusão do próprio Rossin: “Não há como fazer o mínimo com isso”. diz Eraldo.

Já o presidente da Abrema lamenta que Goiânia tenha feito opção por um “lixão chamado de aterro”, como classifica. “Falar em aterro controlado hoje em dia não é algo aceitável, principalmente para uma metrópole”, diz Maranhão. “É preciso ressaltar que, para o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, não existe a figura do aterro controlado.”

PERIGOS

Quando se perde a certificação ambiental de aterro sanitário, há uma sinalização de que medidas importantes para garantir a saúde ou mesmo a segurança da população podem estar sob risco. Em um depósito de resíduos sólidos acumulam-se, com a decomposição do material, duas substâncias que, sem manejo, podem ser extremamente prejudiciais: os gases e o chorume.

O acúmulo de gases dentro da massa pode causar explosões de grande intensidade. “Além disso, o metano é dez vezes mais tóxico do que o gás carbônico”, informa Eraldo Henriques, da Eeca/UFG. O Ideal seria ter estrutura para canalizá-lo e transformá-lo em biogás, mas a medida paliativa tem sido sua queima, transformando-o em gás carbônico. Já o chorume carrega metais pesados – o que não deveria ocorrer, mas é resultado de falhas no sistema de coleta de resíduos. “Não poderiam ir para o caminhão recolhedor materiais como pilhas, baterias, thinner (diluente), lâmpadas fluorescentes”, exemplifica o professor.

Fonte: O Popular
https://opopular.com.br/cidades/aterro-de-goiania-vira-montanha-de-riscos-e-prejuizos-1.3143985