FOLHA DE SÃO PAULO – 14/07/2024
Muitos não sabem, mas 15 de julho é uma data histórica para o Brasil. Nesse dia, em 2020, em plena pandemia de Covid-19, depois de muito debate e diálogo com a sociedade, foi aprovado o Novo Marco Legal do Saneamento Básico.
Por décadas, esse setor, cujo papel é de extrema importância para a saúde pública e o meio ambiente, operou sem regulamentação adequada.
As mudanças, no entanto, começaram em 2007, quando se estabeleceram as primeiras diretrizes nacionais e mecanismos regulatórios, ainda de forma genérica e incapazes de estabelecer um nível de competitividade adequada para o setor.
Poucos anos depois, em 2010, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) trouxe inovações para o gerenciamento do lixo urbano, da coleta à destinação final, até então não contemplada em uma legislação específica. O Brasil enfim tinha caminhos claros para a erradicação dos lixões, uma chaga ambiental e social que nos mantém presos a um passado de traços medievais. Mas ainda não era o bastante.
A universalização do acesso ao saneamento básico —abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana— ainda permanecia distante em um país continental assolado por crônicas desigualdades. Não havia estímulos para a expansão e a melhoria de serviços essenciais ao direito constitucional de todo brasileiro a uma saúde digna e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Nesse contexto, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico surge com a meta de eliminar lixões até 2024 e de que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto até 2033.
O grande mérito do Novo Marco Legal foi o de atrair investimentos para o setor por meio do estímulo a contratos de longo prazo, com segurança jurídica, em um ambiente regulatório adequado, além da consolidação de metas claras de universalização de serviços básicos e eliminação dos lixões. Face aos desafios continentais no Brasil, a nova lei privilegiou soluções regionalizadas, que reduzem o custo para os municípios e possibilitam inovações que só podem ocorrer a partir de uma escala maior de prestação de serviços.
Algumas inovações, porém, ainda sofrem resistência. Um levantamento feito em 2023 pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) mostra que mais de 90% dos municípios brasileiros não cumpriram a determinação do Novo Marco para instituir tarifas ou taxas destinadas a custear a gestão adequada do lixo, o que já ocorre em relação a outros serviços públicas, como iluminação, comunicação móvel, abastecimento de água e esgotamento sanitário.
A sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de saneamento básico, especialmente de resíduos sólidos, evita que as prefeituras retirem recursos do orçamento que poderiam ser destinados para investimentos em saúde e educação, por exemplo.
Nas regras do Novo Marco, a ausência de cobrança para os serviços de resíduos pode levar à acusação de renúncia fiscal contra os prefeitos, o que pode até gerar a responsabilização do gestor público por improbidade administrativa. Mesmo assim, o descumprimento generalizado dessa obrigação legal impede o avanço da almejada erradicação dos lixões e atrapalha a estruturação de concessões para a gestão de resíduos.
O caminho é longo. No Brasil, mais de 30 milhões de pessoas vivem sem acesso a água tratada e 93 milhões não têm acesso a coleta e tratamento de esgoto. Quase 40% de todo o lixo produzido no país ainda vai para valas e lixões. Isso resulta em inúmeras hospitalizações por doenças evitáveis, causadas pela contaminação ambiental, além de graves efeitos econômicos e sociais.
O Novo Marco Legal do Saneamento Básico existe para que o Brasil possa avançar na longa marcha para superar uma herança medieval e reverter indicadores de atraso, injustiça e desigualdade social.
Comemoremos o dia 15 de julho!
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Fonte: Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/07/marco-do-saneamento-significa-quatro-anos-de-avanco-ante-decadas-de-descaso.shtml