ESTADÃO – 13/08/2024
Um país que conseguiu universalizar o acesso à energia elétrica e às telecomunicações deveria considerar vergonhoso não ter conseguido atingir essa marca elementar no saneamento básico. O Brasil, no entanto, se acostumou a uma realidade que expõe como poucas o tamanho de suas desigualdades, o preço de suas escolhas e o longo e acidentado caminho que ainda terá de percorrer para superá-las.
Embora tenha voltado a fazer parte das dez maiores economias do mundo, o Brasil ocupa o 81.º lugar entre 135 países com maior acesso da população à rede de esgoto e a 62.ª posição no ranking de acesso à água. Os dados são de um estudo do Banco Mundial, segundo reportagem publicada pelo Estadão.
A comparação internacional é útil para ilustrar uma situação que o País já conhece muito bem. Dados oficiais apontam que cerca de 15% da população brasileira não tem acesso à água e metade não conta com rede de esgoto, e do esgoto recolhido, quase 50% não recebem tratamento adequado.
Ao incentivar a entrada da iniciativa privada em um setor dominado por estatais, a aprovação do marco do saneamento pelo Congresso, em 2020, deu esperança de que essa mazela enfim seria enfrentada. Pela lei, até o fim de 2033, 99% da população terá de ser atendida com água potável e 90% deverá ter coleta e tratamento de esgoto. As metas teriam de ser incorporadas a todo contrato, e as empresas teriam de comprovar que têm condições econômico-financeiras de atingi-las no prazo estipulado.
Quatro anos depois, os investimentos aumentaram bastante, mas não o suficiente para alcançar as metas até 2033. Enquanto empresas como a Sabesp, que acaba de passar por um processo de privatização, prevê antecipar esse prazo para 2029 nos municípios paulistas, executivos do setor já consideram inevitável esticar esse prazo até 2040, pelo menos.
Segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), o investimento médio em 2022 e 2023 foi de R$ 24,6 bilhões ao ano, quando o necessário era de R$ 74,4 bilhões anuais, ou R$ 893 bilhões até 2033. Nesse ritmo, as metas de universalização só seriam atingidas em 2057.
Já a GO Associados, em estudo contratado pelo Instituto Trata Brasil, estimou os investimentos anuais médios em R$ 20,9 bilhões entre 2018 e 2022, enquanto o mínimo era de R$ 46,3 bilhões para alcançar a marca de R$ 509 bilhões até 2033. A continuar nessa toada, a universalização dos serviços se concretizaria apenas em 2046, no melhor dos cenários.
Não que descumprir prazos fixados em lei seja algo inédito. Se a Política Nacional de Resíduos Sólidos tivesse sido seguida à risca, o País não teria mais lixões ativos desde 2014. O cronograma foi estendido a 2021, para capitais e regiões metropolitanas, e a 2024, para municípios de pequeno porte, mas ainda há 3 mil lixões espalhados por todo o País. Apenas 40% do lixo gerado tem destinação adequada, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).
Investimentos em saneamento têm uma agravante. Como explicou o consultor Gesner Oliveira, há um hiato temporal entre a decisão de investimento e os reflexos na operação, superior aos quatro anos que se passaram desde a aprovação do marco.
Essa demora os torna pouco atraentes para gestores interessados em colher louros políticos a cada eleição. Além disso, o setor requer aportes elevados, quase sempre superiores às capacidades das estatais estaduais. Para a iniciativa privada, no entanto, trata-se de um ativo interessante, especialmente para quem busca retornos de médio e longo prazos, como fundos de investimento estrangeiros.
É preciso preservar o marco, insistir na capacitação dos municípios e auxiliá-los a elaborar contratos de concessão e a realizar licitações. Adiar prazos de universalização por meio de mudanças na legislação não bastará para que os objetivos sejam cumpridos. Foi assim – sem um compromisso temporal claro para a universalização – que a cobertura de saneamento avançou a passos de tartaruga perante a de outros serviços públicos.
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