VALOR ECONÔMICO – 14/08/2024

O novo marco legal do saneamento básico estimulou o investimento privado no setor e criou ambiente sadio para um aumento rápido e significativo da oferta desses serviços. Desde julho de 2020, quando foi aprovado, até maio deste ano, foram realizados 45 leilões de concessões de água e esgoto, que resultaram em R$ 69,2 bilhões em novos investimentos. Além disso, estão em estruturação mais 43 projetos, com potencial para gerar R$ 105 bilhões em novas obras, segundo a Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto.

Quando o presidente Lula assumiu, o marco do saneamento chegou a ser posto em xeque por conta da resistência política a algumas de suas regras, como a exigência de que companhias públicas comprovassem capacidade para investir e atingir a universalização do atendimento da população. O novo marco estabeleceu que 99% da população deverá contar com água potável e 90% com esgotos coletados até 2033. Os dados mais recentes mostram o desafio: 32 milhões de pessoas ainda não recebem água potável e 90 milhões não têm esgoto coletado.

Apenas três meses após tomar posse, em 2023, o governo cedeu às pressões políticas e emitiu um decreto que alterou o marco do saneamento, amenizando as exigências de empresas estatais e prefeituras. Foi prorrogado até dezembro de 2025 o prazo para que as estatais provem que são capazes de fazer os investimentos necessários para a universalização dos serviços; caso contrário, o governo local precisará licitar o serviço para outra empresa. Mas a comprovação da capacidade financeira e técnica das estatais também foi flexibilizada. O decreto ainda mantém os contratos sem licitação assinados entre governos e estatais, os chamados contratos de programa, que haviam sido proibidos pelo marco original.

O governo Lula manteve a meta de universalização em 2033. As mudanças introduzidas dificultam, porém, o cumprimento da promessa, porque a ampliação dos serviços exige grandes investimentos, difíceis de bancar com recursos públicos em momento de aperto fiscal, e depende mais do setor privado.

Pesquisa do Instituto Trata Brasil e GO Associados estima que as operadoras de saneamento precisarão investir mais R$509 bilhões para o país atingir a universalização, o que significa R$ 46,3 bilhões por ano a partir de 2023, último com dados disponíveis, para atender a previsão legal. O montante é mais do que o dobro dos R$ 20,9 bilhões investidos por ano hoje.

A mudança de regras pelo governo Lula não reduziu o apetite do setor privado, como mostrou a privatização da Sabesp, embora o mercado esperasse mais competição e valores mais elevados, por seus mais de 28 milhões de clientes do serviço de abastecimento de água e 25 milhões de coleta de esgoto. O governo de São Paulo vendeu 32% de participação na Sabesp, por R$67 por ação. A Equatorial se comprometeu a investir cerca de R$ 70 bilhões para a universalização do saneamento no Estado até 2029, antes, portanto, da data prevista pelo marco legal. Com a privatização, a Sabesp deverá migrar a contratação dos próximos R$ 27 bilhões de obras para o ambiente privado, o que deve acelerar o processo.

Acredita-se que a privatização da Sabesp renovou o interesse privado pelo setor e pode estimular os investimentos. Vão testar o apetite duas concessões marcadas para setembro, a do Piauí e a de Sergipe. Há uma dezena de outras em estudo, algumas com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Não foi um bom sinalo adiamento para setembro da concessão do Piauí, que estava prevista para esta semana. Notado governo estadual atribuiu o adiamento a “algumas adequações que serão feitas no edital, em função dos questionamentos recebidos”, sem detalhar. O Valor apurou que a razão foi a falta de interessados. Agora o leilão vai coincidir com o de Sergipe. Segundo a nota, a concessão prevê que 99% da população será atendida com abastecimento de água até 2033 e 90% com esgotamento sanitário até 2040, incluindo a zona rural. O prazo previsto para a universalização da coleta deesgoto está além da data fixada no marco do saneamento.

Não só o Piauí prevê atraso na universalização. Os números variam, mas há projeções de que a meta só será alcançada em 2070. Pelo ritmo atual dos investimentos, da preparação dos projetos de concessões e a existência de regiões ainda negligenciadas, o Trata Brasil acredita que a meta atrasará 37 anos.

A enchente no Rio Grande do Sul sublinhou uma nova preocupação nesses projetos, antes desconsiderada: o risco dos desastres climáticos. O marco original do saneamento já previa que os contratos de concessão levassem em conta o problema.

Neste ano, nova norma da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) passou a demandar o detalhamento dos riscos e a divisão de responsabilidades (O Globo 4/8). Com as estações de tratamento e distribuição de água alagadas pelas enchentes de maio, e depois paralisadas pela falta de energia elétrica, milhares de pessoas ficaram sem água potável no Rio Grande do Sul. É um exemplo de novo fator de atraso potencial.

Mas é importante não sair do caminho traçado da busca da universalização e fazer todo o possível para alcançá-la o quanto antes.

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Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/noticia/2024/08/14/prazo-para-universalizacao-do-saneamento-corre-riscos.ghtml