AMAZONAS 1 – 20/08/2024

No dia 2 deste mês expirou o prazo definido pela Lei Federal nº 12.305/2010, que estabelece a obrigatoriedade para os municípios brasileiros eliminarem lixões a céu aberto e adotarem práticas adequadas para o manejo de resíduos urbanos. Em Manaus, o desafio da gestão de resíduos sólidos persiste há décadas, e a situação futura permanece incerta. Estima-se que a cidade produz entre duas e três mil toneladas de lixo doméstico diariamente, evidenciando a magnitude do problema.

O principal destino do lixo da cidade é o aterro sanitário controlado, que completará 40 anos em 2025, localizado na rodovia AM-010, que atingiu sua vida útil em janeiro deste ano. No entanto, uma decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) prorrogou o prazo de funcionamento do aterro até abril de 2028. O acordo entre o Ministério Público e a Prefeitura de Manaus prevê, além da prorrogação das atividades, a instalação de um novo aterro na capital.

Além da possibilidade de um novo aterro municipal, a EcoManaus Ambiental S.A., administrada pela Marquise Ambiental, construiu um aterro sanitário no ramal Itaúba, localizado no km 13 da BR-174, no bairro Tarumã, zona Oeste de Manaus. Apresentada como a solução para o descarte dos resíduos sólidos da cidade, a obra gerou forte oposição na Câmara Municipal de Manaus (CMM) e na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). A principal preocupação dos vereadores e deputados é a proximidade do aterro com o Igarapé do Leão, considerado uma ameaça significativa ao meio ambiente.

Mesmo com as controvérsias, a construção foi autorizada em 2021 pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). A Marquise Ambiental afirma que o aterro não está localizado em uma Unidade de Conservação (UC), nem em uma Área de Preservação Permanente (APP), como é o caso da Área de Preservação Ambiental (APA) Tarumã.

Em nota, a empresa afirma que o Centro de Tratamento e Transformação de Resíduos (CTTR) foi construído com as melhores técnicas mundiais, como a osmose reversa para tratamento de chorume e geração de água de reuso, além de inovações tecnológicas e práticas de desenvolvimento sustentável. Segundo a empresa, o equipamento possui todas as licenças exigidas para sua operação, validadas por órgãos competentes, e está apto para receber e tratar resíduos sólidos de forma ambientalmente correta e segura.

“O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, por meio de laudos de sua Diretoria de Controle Externo Ambiental, e o Ipaam, órgão responsável pela emissão das licenças, atestaram que não há irregularidades ambientais e que o aterro não está situado em uma Unidade de Conservação nem em uma Área de Preservação Permanente. Por cumprir todos os requisitos ambientais, o equipamento recebeu as licenças necessárias e está apto para receber os resíduos de Manaus e da região metropolitana”, frisou a empresa.

Medidas para a construção de um novo aterro

Para o advogado especialista em Direito Ambiental Vanynton Santos, antes da construção de um aterro sanitário é necessário realizar um estudo prévio dos impactos que o empreendimento poderá causar nos rios próximos, no lençol freático, na vegetação, no solo e nos animais. Segundo ele, esse estudo é realizado durante a fase de licença prévia do empreendimento, quando se aprova a localização e concepção do projeto, atestando sua viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos e condicionantes a serem seguidos nas próximas fases de implementação.

“O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo que verifica a viabilidade e os impactos dos empreendimentos. No caso de um aterro sanitário, diversos estudos ambientais são necessários para que o gestor ambiental possa avaliar se autoriza ou não a implementação e operação do empreendimento”, explica Santos.

Em relação a construções em áreas de proteção ambiental, o advogado ressalta que o ordenamento jurídico-ambiental prevê diversas categorias de áreas protegidas e os ambientes que devem ser preservados.

“Por outro lado, o mesmo ordenamento também prevê a possibilidade de o poder público suprimir a proteção desses espaços, caso o gestor ambiental entenda que o benefício econômico e social justifica algum nível de poluição. Embora haja um entendimento doutrinário de que a decisão do gestor é discricionária, instituições ambientalistas podem intervir judicial ou administrativamente para mitigar a poluição”, pontua.

Como o lixão afeta a qualidade do solo e das fontes de água na região?

O biólogo Daniel Santos explica que os lixões causam sérios impactos ambientais, incluindo a poluição do solo, das águas subterrâneas e do ar. A decomposição do lixo depositado nos lixões resulta na infiltração de substâncias tóxicas que contaminam o solo e, eventualmente, alcançam o lençol freático. Além disso, a exposição dos resíduos à atmosfera pode provocar incêndios, uma vez que, ao contrário dos aterros sanitários, os lixões não são devidamente cobertos com terra. Essa combustão gera a liberação de gases, principalmente metano, que comprometem significativamente a qualidade do ar.

Alternativas

Embaixador, consultor e auditor do Instituto Lixo Zero no Amazonas, o biólogo Daniel Santos destaca práticas de gestão de resíduos que podem minimizar os impactos ambientais. Segundo ele, existem várias ações eficazes para reduzir a quantidade de lixo destinada a lixões e aterros.

Uma das práticas sugeridas é o consumo de alimentos mais orgânicos e menos industrializados, já que esses últimos necessitam de embalagens plásticas, metálicas, de vidro, papel e papelão, cuja produção e descarte aumentam significativamente a quantidade de resíduos. Santos também recomenda a implementação da coleta seletiva em casa, nas escolas, indústrias, universidades e outros locais, promovendo a separação dos resíduos. Ele destaca que cerca de 50% do lixo gerado diariamente é composto por resíduos orgânicos, que podem ser compostados e transformados em adubo para jardins, paisagismo, hortas e até grandes lavouras.

Outra fração importante são os resíduos recicláveis, como papel, papelão, plástico, metal e vidro, que podem ser segregados e encaminhados para associações e cooperativas de reciclagem, gerando emprego, renda e reintroduzindo esses materiais na cadeia produtiva, contribuindo para a economia circular.

Santos também menciona os resíduos não reaproveitáveis, que não podem ser reciclados nem compostados. “Esses representam apenas 10% a 15% do total de resíduos e deveriam ser os únicos a serem encaminhados para os aterros. No entanto, a falta de políticas públicas e incentivos à coleta seletiva faz com que quase 100% dos resíduos gerados na capital amazonense sejam enviados para aterros, quando muitos poderiam ser reaproveitados”, comenta.

De acordo com o biólogo, o principal desafio na criação de um aterro é encontrar uma área tecnicamente viável que não esteja próxima de rios, lagos ou nascentes, o que é praticamente impossível no Amazonas, dada a dificuldade de encontrar locais que não ofereçam o risco de contaminação dos lençóis freáticos.

“Esse é o grande obstáculo. No entanto, se conseguíssemos implementar a coleta seletiva e reduzir a geração de resíduos, poderíamos estender a vida útil de um aterro para até 100 anos, ou seja, um século. Atualmente, nosso aterro recebe entre 1.000 e 2.500 caminhões de coleta de lixo diariamente. Mas, se as práticas mencionadas fossem efetivamente implementadas, esse número poderia ser reduzido para cerca de 200 a 400 caminhões por dia, resultando em um impacto ambiental significativamente menor”, sugere Santos.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp) para obter informações sobre a existência de estudos para a construção de um novo aterro municipal, incluindo a possível localização e o andamento desse processo. Também foi questionado se a secretaria realiza algum tipo de análise sobre a condição do solo no atual “lixão”.

No entanto, a assessoria se limitou a informar que “um novo aterro está sendo construído, mas não é responsabilidade da secretaria. Quanto ao solo, é a empresa concessionária do aterro que realiza os estudos”.

Quando questionada sobre qual secretaria estaria conduzindo o estudo, a assessoria respondeu que “a informação está sob segredo de justiça”.

Cenário Nacional

No Brasil, ainda existem 1.572 lixões e quase 600 aterros controlados. A situação é mais grave nos municípios das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Os custos ambientais e climáticos da poluição gerada pela má gestão de resíduos no Brasil, assim como os respectivos danos à biodiversidade e à saúde humana, foram da ordem de R$ 97 bilhões em 2020.

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Fonte: Amazonas 1
https://amazonas1.com.br/manaus-enfrenta-desafios-em-gerir-residuos-solidos-com-futuro-incerto/