JOTA – 26/08/2024
No início de agosto, encerrou-se o prazo para colocar fim aos lixões no Brasil. O período foi determinado a partir do Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/ 2020), mas ainda há cerca de três mil áreas recebendo essa forma ambientalmente inadequada de descarte. Nesse cenário, os aterros sanitários são atualmente a única alternativa viável em nosso país, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico.
O desafio não é pequeno. O Brasil produz mais de 77 milhões de toneladas de lixo por ano. Desse total, cerca de 40% são destinados de forma ambientalmente inadequada, sendo direcionados principalmente aos lixões, distribuídos pelos municípios brasileiros, segundo estudo produzido pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).
Do total de lixo produzido no país, por volta de 72 milhões de toneladas são coletadas nas portas das casas. Para se ter dimensão, vale ilustrar que esse montante seria capaz de forrar cerca de 3,4 mil campos de futebol do Maracanã ou uma área de 20 Aterros do Flamengo, no Rio de Janeiro, afirma Luis Sergio Akira Kaimoto, consultor do Banco Mundial e docente da Escola Superior da CETESB.
“A erradicação de lixões, dados todos os impactos ao meio ambiente e os riscos à saúde pública, é imprescindível e inegociável”, afirma Kaimoto.
Enquanto o Brasil não encontra uma solução definitiva para os lixões, o problema se amontoa. Até 2050, a produção de lixo no Brasil deve crescer mais de 50% e pode atingir a marca de 120 milhões de toneladas por ano, segundo relatório lançado na Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em março de 2024.
O documento ainda aponta que um a cada 11 brasileiros não têm coleta de lixo disponível. Ao todo, mais de 5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos são descartados diretamente no meio ambiente sem qualquer preocupação com os impactos negativos.
“A erradicação de lixões, dados todos os impactos ao meio ambiente e os riscos à saúde pública, é imprescindível e inegociável”
Luis Sergio Akira Kaimoto, consultor do Banco Mundial e docente da Escola Superior da CETESB
Mudanças com o Novo Marco
Esta não é a primeira tentativa de fechamento dos lixões no território nacional. “Em teoria, os lixões não são admitidos desde 1981, com a publicação da Política Nacional do Meio Ambiente, que tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida”, explica Fabricio Sóler, advogado especialista em direito dos resíduos e presidente do Instituto PNRS.
Apenas depois de 15 anos, com a Lei 9.605/ 1998, foram estabelecidas sanções penais para esse método irregular e inadequado de descarte, que atualmente é enquadrado como crime ambiental. Depois, a Política Nacional de Resíduos Sólidos determinou o término do funcionamento dos lixões até o final de 2014. O prazo, como se observa, não foi cumprido.
Com o Novo Marco, em 2020, novas metas foram estabelecidas para o encerramento das atividades desses depósitos a céu aberto. A partir dele, também foram estabelecidos novas regras para o funcionamento do saneamento básico no país, incluindo a gestão do descarte de resíduos sólidos.
“Ele estabelece metas de universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário até 2033, priorizando todas as regiões, mas, especialmente, as comunidades mais carentes e áreas rurais. Ainda prevê ações de conscientização e educação ambiental, de modo que todos os avanços e ganhos ambientais se materializem de forma consolidada e irreversível”, explica Kaimoto.
Em uma nova tentativa, a lei definiu quatro prazos – distribuídos entre 2021 e 2024 – para o encerramento dos lixões e uma disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Esses períodos foram separados de acordo com as dimensões populacionais, sendo primeiramente contempladas as Regiões Metropolitanas, em seguida municípios menores. O último prazo definido pela Lei se encerrou em 2 de agosto para as cidades com população de até 50 mil habitantes.
Porém, mesmo com o Novo Marco e o fim dos prazos limites, a estimativa é que ainda existam, de acordo com a Abrema, aproximadamente 3 mil lixões ativos no Brasil.
“A disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos por meio de aterros sanitários mitiga os riscos e consequências legais aos quais estão sujeitos os municípios e gestores que ainda usam lixões em pleno 2024”, diz Sóler, do Instituto PNRS. Dentre essas consequências, está a penalidade de multa de até R$50 milhões de reais, conforme prevê o decreto de infrações administrativas ao meio ambiente.
“Diante desse cenário, refletido na ausência de cobrança específica dos serviços de manejo de resíduos e falta de priorização da pauta, 2,5 mil municípios continuam a causar poluição lançando resíduos e rejeitos em buracos a céu aberto, contaminando meio ambiente e sacrificando a saúde pública”, complementa.
Diferenças entre lixão e aterro sanitário
O lixão é uma área em que resíduos gerados e coletados de uma região são descartados de forma inadequada, diretamente no solo. Nesse espaço, não há nenhum tipo de proteção ambiental nem tratamento do chorume ou captura dos gases gerados a partir da decomposição da matéria orgânica.
Assim se dá a contaminação do solo e do lençol freático e há riscos de incêndios e explosões. Eles são capazes de afetar o meio ambiente, e também as comunidades que vivem próximas a essas áreas.
Já os aterros sanitários são obras complexas de engenharia desenvolvidos para receber os resíduos sólidos, de forma a evitar o contato da matéria contaminada com o meio ambiente e com a população ao redor. Na construção do aterro, são empregadas tecnologias e métodos para minimizar o contato do lixo diretamente com o solo, água e ar.
“Diante desse cenário, 2,5 mil municípios continuam a causar poluição lançando resíduos e rejeitos em buracos a céu aberto, contaminando meio ambiente e sacrificando a saúde pública”
Fabrício Sóler, advogado especialista em Direito Ambiental
O armazenamento e confinamento dos resíduos ocorre em superfícies impermeabilizadas por uma série de camadas de materiais como argila e polímeros, sendo a última camada composta por drenos que dão vazão aos líquidos e gases produzidos pelos materiais descartados.
“Os aterros sanitários oferecem um duplo ganho ambiental. Em primeiro lugar, ao evitar o impacto que o metano, gás de efeito estufa altamente poluente, pode causar na atmosfera. Ele é capturado para ser transformado industrialmente em biometano. Em seguida, ao permitir a substituição do gás de origem fóssil por um gás renovável, os aterros sanitários estão contribuindo para a descarbonização da economia”, explica Pedro Maranhão, presidente da Abrema.
“As soluções técnicas, de materiais e de equipamentos construídos no Brasil colocam os aterros sanitários dentre os mais seguros e sustentáveis do mundo. Além disso, têm custo inferior a alternativas como a incineração. São caminhos que efetivamente colocam os aterros como uma alternativa viável à disposição dos gestores públicos”, diz Kaimoto.
Distribuição de aterros sanitários no Brasil
Os aterros sanitários são infraestruturas utilizadas para gerir os resíduos sólidos em todo o mundo. “A França, por exemplo, possui mais de 200 aterros sanitários. Isto representa um aterro para cada 300 mil habitantes, relação muito próxima da que encontramos nos Estados Unidos, que contam com cerca de mil aterros regionais para uma população de mais de 300 milhões de pessoas”, aponta Maranhão, da Abrema.
Atualmente, quase todas as capitais brasileiras possuem aterros sanitários, sendo que, apenas em São Paulo, os dois principais da cidade recebem 6 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano. Segundo dados de 2022 do Sistema Nacional de Informação em Saneamento (SNIS), no Sudeste há a maior produção de lixo urbano: 37,5 milhões de toneladas por ano.
Em média, próximo de 60% de todo o lixo brasileiro é destinado aos aterros sanitários, enquanto por volta de 40% não têm destinação ou são descartados de forma inadequada, em lixões.
No entanto, quando se analisa a distribuição dos aterros regionalmente, é possível observar a desigualdade no tratamento de resíduos no Brasil. Nas regiões Sudeste e Sul, mais de 70% dos resíduos sólidos são dispensados em aterros sanitários. Já no Norte e Nordeste, o número se inverte: até 64% do montante de resíduos sólidos são destinados a lixões. Nessas regiões, o uso de aterros sanitários é respectivamente de 36,6% e 37,2%.
Segundo a Abrema, seria possível desativar cerca de 1,5 mil lixões a curto prazo, e sem novos investimentos, apenas utilizando a rede de aterros sanitários já existente no Brasil. Para tanto, seria necessário incentivar que os municípios utilizassem aterros sanitários situados a até 100 quilômetros de distância, o que é viável em muitos casos.
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