O GLOBO – 30/08/2024

Cada brasileiro gera, em média, pouco mais de um quilo de lixo urbano por dia, aproximadamente 380 quilos por ano, segundo dados de 2022 que estão no Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023, divulgado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).

Estima-se que 93% dos detritos gerados nas cidades em 2022 tenham sido devidamente processados, mas 7%, o equivalente a 5 milhões de toneladas, ficaram sem destinação adequada, gerando riscos ao meio ambiente e à saúde.

Se a lei fosse cumprida, também esse volume teria ido para aterros sanitários. No início deste mês terminou o prazo para o país erradicar os lixões, uma determinação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/ 2010).

Mas o Brasil ainda convive com 3 mil depósitos irregulares, com lixo a céu aberto e sem controle ambiental ou sanitário. Pela primeira regulamentação da lei, em 2010, o lixo sem reaproveitamento deveria ter destinação final adequada até o fim de 2014.

Em 2020, a Lei 14.026 estabeleceu novos prazos para a adaptação dos municípios e diretrizes para a disposição dos resíduos sólidos. O novo limite para o fim dos lixões, de acordo com o tamanho da população, foi definido em 2 de agosto de 2024. Mais uma vez a meta não foi cumprida.

— Costumo dizer que a situação hoje no Brasil é da época medieval, mas com esperança. Acho que estamos no caminho de iniciar a universalização do encerramento dos lixões país afora. Todos estão se conscientizando — analisa o presidente da Abrema, Pedro Maranhão, que se queixa de obstáculos como a alta carga tributária sobre a reciclagem.

Aterro sanitário de Seropédica produzindo biogás gerado apartir de resíduo orgânico — Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

— Hoje, em várias cidades, já está aumentando a coleta seletiva, mas, para isso acontecer, temos de organizar a indústria da reciclagem, que tem mais tributos que o produto virgem, e termina sendo mais caro. Há uma série de coisas (a ser feita), mas estamos avançando, diz.

Logística amplia alcance

Na Bahia, a Abrema e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) apostam na logística para desativar 1,5 mil lixões. A proposta é usar no estado a estrutura já existente de aterros sanitários, tanto pública como privada, e ampliar a área de alcance. Hoje um aterro atende até cinco cidades ao seu redor, por exemplo.

Num raio de 100 quilômetros (distância que viabiliza essa logística, segundo Maranhão) há 40 cidades que ainda usam lixão. A ideia é viabilizar a chegada dos resíduos desses municípios ao aterro sanitário mais próximo.

— Onde for mais longe a gente faz estação de transbordo, e só essa mexida logística desativa 1.500 lixões. Depois é mapear onde a logística não chega, fazer um chamamento para um novo aterro na região — explica o líder da Abrema.

O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, atribui à falta de recursos financeiros a dificuldade das prefeituras de eliminar de uma vez por todas os lixões e adotar aterros sanitários.

Ele destaca outras quatro inovações da lei: a instituição do lixo seletivo no país; a logística reversa (as empresas devem arcar com o retorno de seus produtos descartados após o consumo e dar destinação adequada); 100% de compostagem; 25% do lixo destinado aos aterros sanitários.

— Todos poluem no mesmo nível: eu, tu, a indústria. Mas a corda cai sobre a prefeitura, porque ela cobra uma taxa de lixo. A indústria se abstém, e ninguém fiscaliza. No lixo seletivo, cada um faz como bem entende. A carga tributária no Brasil chega a 33% do PIB, mas cada prefeitura arrecada 6,5%, não há autonomia, não há dinheiro para fazer essa transformação. De 5 mil municípios, 65% já transformaram lixões em aterros, e vamos chegar a 100%, mas não sei se daqui a um, cinco ou 20 anos — afirma.

Aterros sanitários avançam, mas cidades ainda precisam de R$ 45 bi para cumprir meta de erradicar os lixões — Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

Hoje, segundo Ziulkoski, seriam necessários R$ 45 bilhões para universalizar os aterros sanitários no Brasil. O caminho mais viável são os consórcios municipais, quando cidades se unem em torno de um depósito adequado e dividem a conta. A logística proposta pela Abrema pode ampliar esse tipo de arranjo, concorda o líder da CNM.

Pacto nacional

Diante das dificuldades das cidades, o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano, do MMA, Adalberto Maluf, enumera iniciativas do governo federal que culminaram no lançamento, no fim do ano passado, do Pacto Nacional pelo Fim dos Lixões. Ele traz uma lista de ações para apoiar os municípios atrasados com assistência técnica.

Neste ano, um questionário foi enviado às prefeituras para diagnosticar que tipo de suporte a União poderia dar para resolver esse problema. Apoio financeiro foi a demanda de 40%. Outros 30% pediram suporte técnico, e 25% disseram apoio político.

Além disso, 86% afirmaram não ter recursos para fechar lixões, 68% não possuíam sequer um plano para isso e 56% ainda tinham pessoas vivendo e trabalhando nos lixões ou arredores. Segundo Maluf, de 1 milhão de catadores no país, 400 mil ainda são autônomos em situação de vulnerabilidade no entorno dos lixões. Do outro lado, das 2 mil cooperativas voltadas para a reciclagem, apenas 831 recebem crédito.

— Analisamos isso e vimos que precisávamos de um plano de assistência técnica, não adianta só ficar cobrando. Isso é atribuição do prefeito, mas ele já tem muitas responsabilidades e nem tantos recursos — avalia.

E acrescentou:

— Estamos regulamentando um decreto por serviço ambiental, assinamos o SisRev, Sistema de Logística Reversa on-line, para que as atividades gestoras prestem contas através desse sistema nacional. Vamos aprovar um decreto que determina que 24% do plástico sejam reciclados. Estamos subindo a régua com um decreto que vai aumentar de 22% para 30% e depois para 50% a recuperação de massa das embalagens.

Ele vê algo a comemorar:

— Há uma reversão de tendência: 2023 é o primeiro ano com aumento de quantidade de resíduos com destinação correta, depois de 10 anos sem aumento de reciclagem. Com diagnósticos claros conseguimos fazer uma gestão melhor.

*

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/08/30/passou-da-hora-de-erradicar-lixoes-aterros-avancam-mas-cidades-ainda-precisam-de-r-45-bi-para-fazer-isso.ghtml