Em seu segundo mandato, em 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, concedendo prazo até 2014 para a eliminação dos lixões no país e sua substituição por aterros sanitários. O prazo foi prorrogado por uma década, até agosto deste ano. Passados 14 anos, ainda há cerca de 3 mil lixões, distribuídos por 1.593 cidades brasileiras, ou 28% do total de municípios, segundo o Sistema Nacional de Informações de Saneamento (Snis). A política fracassou. Embora seja responsabilidade de prefeitos e vereadores dar o devido destino ao lixo produzido pela sociedade, o assunto tem passado ao largo da agenda eleitoral.

Pode ser que candidatos não deem importância ao acúmulo desordenado de dejetos na periferia das cidades, por ele ocorrer longe dos olhos da maioria dos eleitores. Cometem um erro. O biogás emitido do pelos lixões contém metano, gás que pode ter efeito 86 vezes maior que o carbônico (CO₂) no aquecimento da atmosfera. Além disso, deles escorre o chorume, líquido vertido pelas montanhas de lixo que contamina o solo e os lençóis freáticos.

Devido ao descaso, 40% de todos os resíduos que a população brasileira produz têm destinação irregular, como revelou reportagem do GLOBO. Quase 25% dos lares não contam com serviço de coleta, um incentivo à queima ou ao descarte irresponsável. O índice médio de reciclagem deveria ser de 14% no Brasil, mas não ultrapassa 3,5%. Uma longa cadeia de falhas e omissões explica por que as cidades brasileiras ainda enfrentam problemas resolvidos há mais de século em países desenvolvidos.

Não basta descartar o lixo, é preciso descartá-lo em aterros sanitários construídos e administrados tecnicamente. Um incêndio que, em agosto e setembro, atingiu seis municípios na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), destino turístico declarado Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, começou num lixão na zona de proteção ambiental de Pouso Alto, em Alto Paraíso de Goiás. O caso mostra como o turismo também é afetado pelo descumprimento dos prazos e normas da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A situação se repete no Pantanal Mato-Grossense, nos Lençóis Maranhenses e em praias da Bahia. Além da saúde pública, a omissão das prefeituras prejudica negócios que geram renda e empregos.

Os lixões do país injetaram na atmosfera em 2022 o equivalente a 15,6 milhões de toneladas de CO₂, de acordo com o Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima. Em 2007, quando essas emissões chegaram ao pico, eram 19,2 milhões de toneladas. Nos últimos anos, apesar de ter crescido a adoção de aterros sanitários, a redução nos gases emitidos pelos lixões ficou muito aquém do necessário. Esse será um dos principais problemas urbanos diante dos prefeitos e vereadores eleitos neste mês. A lei precisa ser respeitada: os lixões têm de acabar — e logo.

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Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2024/10/persistencia-dos-lixoes-passa-ao-largo-da-campanha-municipal.ghtml