VALOR ECONÔMICO – 31/10/2024
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305, de 2010, determinou o dia 2 de agosto de 2024 como limite para a erradicação dos lixões no Brasil. No entanto, dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, revelam a existência de 1.572 lixões a céu aberto no país e 598 aterros irregulares, infraestruturas onde o solo não está preparado para receber os rejeitos e realizar o controle do chorume resultante da decomposição do material orgânico. Em 2023, essas estruturas inadequadas receberam 16,3 milhões de toneladas de lixo. O SNIS também calcula que quase 20 milhões de brasileiros moram em domicílios que não contam com serviços regulares de coleta de lixo.
O número de lixões e aterros irregulares pode ser bem maior, uma vez que as informações do SNIS são fornecidas de forma voluntária pelos municípios e mais de 400 cidades não as encaminharam no levantamento do ano passado. “A estimativa é que existam em operação mais de 2.800 lixões no país”, diz Pedro Maranhão, presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).
Os lixões potencializam a existência de vetores de doenças, como ratos, insetos e parasitas que contaminam a população próxima. O chorume gerado contamina o terreno e lençóis freáticos. A geração de dióxido de carbono equivalente (CO2e) proveniente desses ambientes responde por 4% das emissões nacionais, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
A legislação de 2010 estabeleceu que os gestores municipais – prefeitos e secretários do Meio Ambiente – podem ser pessoalmente autuados e responder criminalmente pela manutenção da atividade de lixões nas cidades que administram. Mas a autuação depende de iniciativa do Ministério Público federal ou local ou dos Tribunais de Contas.
Em Goiás, a Assembleia Legislativa aprovou anistia aos municípios que não cumpriram a legislação e estendeu o prazo para o encerramento dos lixões por mais um ano. O governador Ronaldo Caiado vetou a anistia, mas teve seu veto derrubado pelos deputados e a questão está agora na Justiça local. “A iniciativa dos deputados goianos é uma tentativa flagrante de legalização do descumprimento da legislação federal”, diz Maranhão. Há receio de que a iniciativa da Assembleia goiana seja reproduzida em outros Estados.
Estudo da consultoria GO Associados para o governo federal em 2022 concluiu que são necessários investimentos de R$ 27 bilhões para universalizar o manejo de resíduos sólidos e liquidar os lixões. “Os municípios não possuem esses recursos, vão ter que buscar apoio na iniciativa privada”, diz Gesner Oliveira, sócio-executivo da consultoria.
Segundo Oliveira, o caminho é a estruturação de Parcerias Público-Privadas (PPPs), que para serem viabilizadas terão de contar com receita vinda da taxa de lixo. De acordo com o SNIS, 2.226 dos 5.570 municípios do país cobram essa taxa.
Parte da viabilidade financeira dos aterros sanitários pode ser obtida com receitas acessórias, resultado de atividades relacionadas ao reaproveitamento de resíduos, com instalação nos aterros de estações de triagem e processamento de material reciclável, de processamento de biogás para a geração de energia elétrica ou biometano e ainda fábricas de fertilizantes.
Entre os aterros privados, a busca de receitas acessórias já é realidade. No Rio de Janeiro, a Ciclus Ambiental manipula dez mil toneladas por dia de resíduos provenientes da capital do Estado e de seis cidades da Grande Rio, além de material de clientes privados. Em Seropédica, onde está localizado o aterro sanitário, funciona uma Central de Tratamento de Resíduos (CRT) capaz de gerar 23 mil metros cúbicos (m³) por hora de biogás, o que equivale a 10% da produção nacional do insumo. Na localidade, há uma estrutura de transformação do biogás em energia elétrica, com produção de 2,8 MWh, sendo 1 MWh para consumo próprio e 1,8 MWh vendido no mercado. Para 2025, dois novos equipamentos vão expandir a produção para 8,4 MWh. O biogás gerado no aterro também alimenta uma planta de biometano que produz 13 mil m³ por hora.
Em 2024, a operação da Ciclus Ambiental no Rio alcançará receita de R$ 550 milhões. “Por volta de 25% virão de receitas acessórias”, diz Fernando Quintas, CEO da companhia. A empresa assinou em janeiro contrato de 30 anos para o serviço de coleta, limpeza urbana e destinação final de resíduos urbanos com a prefeitura de Belém (PA), um investimento de R$ 700 milhões. Entre os compromissos assumidos está a recuperação da área do lixão do Aurá, um dos maiores do país, e a instalação de uma central de tratamento de resíduos nos moldes do CRT de Seropédica.
O grupo Orizon mantém 17 aterros sanitários em 12 Estados. Em nove unidades, chamadas de Ecoparques, funcionam estruturas de aproveitamento dos resíduos compostas de estações de triagem e processamento de materiais recicláveis para a industrialização, estações de produção de biomassa para a indústria de cimento, material britado para a construção civil e fertilizante verde produzido a partir do lodo. O grupo também conta com cinco plantas de transformação do biogás capturado nos aterros em energia elétrica e uma de purificação do biogás para a produção de biometano. As receitas acessórias respondem por algo entre 35% e 40% do faturamento da Orizon. “Nosso plano é transformar todos nossos aterros em Ecoparques completos nos próximos anos e aumentar as receitas acessórias”, diz Milton Pilão, CEO da Orizon.
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Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/revista-sustentabilidade/noticia/2024/10/31/brasil-enfrenta-desafios-para-erradicar-lixoes-e-aterros-irregulares.ghtml