BNAMERICAS – 10/01/2025

Os aterros sanitários no Brasil estão atraindo um interesse crescente de empresas que buscam investir em projetos associados à produção de biogás e biometano.

Até 2029, segundo a Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente), os aterros sanitários do país devem atrair investimentos de até R$ 8 bilhões (US$ 1,3 bi) de grandes empresas que já atuam no setor, como Solví, Orizon, Vital, Marquise, Estre e Veolia.

Pedro Maranhão, presidente da entidade, conversou com a BNamericas sobre o setor e o que está impulsionando tais investimentos.

BNamericas: Quais são os principais motivadores por trás dos planos de investimentos de até R$ 8 bilhões estimados para projetos de biogás e biometano até 2029, a partir de aterros sanitários?

Maranhão: Com a aprovação da Lei do Combustível do Futuro, criou-se um mercado cativo relacionado ao gás renovável, que é o gás do biometano. Isto porque a lei diz que, a partir de janeiro de 2026, o setor de gás natural deverá injetar de 1% a 10% de biometano no gás natural.

Assim como existe no Brasil a obrigação de mistura do álcool na gasolina, essa lei cria um mercado cativo para o biometano. Como a molécula do gás é a mesma [do biometano], ela pode andar junto no mesmo gasoduto, então não há problema.

É como já acontece com o álcool, onde se abastece um carro junto com a gasolina e funciona. A mesma coisa vai acontecer: se o gás renovável está junto com o gás fóssil, chega lá no consumidor final pronto para o uso. Acende o fogão da dona de casa, o caminhão se locomove, o processo é o mesmo.

A grande diferença agora com o biometano é que você começa a substituir combustível fóssil por renovável, e isto ajuda na questão da descarbonização, na questão do clima. Então, esta projeção de investimentos vem baseada nessas diretrizes. Porque você tem um mercado cativo, tem um valor agregado maior, e logo as empresas começam a se organizar para investir.

Em meio a isso, no nosso levantamento junto às empresas associadas, detectamos que nos primeiros cinco anos, a partir da vigência da Lei do Combustível do Futuro, teremos aproximadamente R$ 8 bilhões de investimentos em projetos.

BNamericas: Qual a tendência de médio e longo prazo após esses cinco anos?

Maranhão: Depois, isso prosseguirá, porque vamos ampliar os projetos à medida que for aumentando a necessidade de substituir o gás de origem fóssil.

Até para nossa surpresa, muitas empresas já querem o gás do biometano, o biogás, de forma mais imediata possível, porque querem colocá-lo no seu balanço, querem cumprir as suas metas de descarbonização, querem já comprar direto o biometano.

Há também o fato de que as empresas que já têm hoje usado o biogás para energia elétrica vão substituir as plantas para o biometano, porque, para a descarbonização, para a questão do clima, do meio ambiente, é melhor.

Hoje, nossa energia elétrica, nossa matriz energética, é 90% renovável, mas o nosso combustível não é.

BNamericas: Os investimentos em projetos que você menciona, R$ 8 bi, já estão sendo desembolsados?

Maranhão: Já está começando a se desenvolver. Várias empresas estão projetando. Temos sete projetos pré-aprovados e um em desenvolvimento, a partir da sanção da lei, que aconteceu há alguns meses.

As empresas estão se organizando e fazendo os seus projetos em todo o Brasil.

BNamericas: Além de um mercado cativo criado a partir da Lei dos Combustíveis do Futuro, há outros gatilhos que podem influenciar na geração de novos projetos no setor?

Maranhão: Sim, e isto está associado à crescente necessidade das empresas que têm metas a cumprir em relação à descarbonização. Este é um apelo muito associado à sustentabilidade de forma geral.

BNamericas: Com esse setor em expansão, você espera uma reconfiguração no segmento? Novos entrantes, consolidação?

Maranhão: Olha, eu acho que, a partir de algum momento, o setor vai ter que se reorganizar. Eu discuto muito este tema com nossos associados, dizendo a eles que vão ter que se modernizar; caso contrário, serão engolidos. Simples assim.

Então, eles estão atentos a isso, já discutindo fontes de financiamento. Eu mesmo, através da associação, estou discutindo com o NDB [Novo Banco de Desenvolvimento] e com um banco alemão o desenvolvimento de linhas de financiamento para projetos no setor.

Acho que vão surgir novos entrantes, além dos já existentes hoje, que são nossos associados.

Da parte de financiamento, também, o BNDES está trabalhando nesse sentido, para criar linhas de crédito para o segmento. Tenho discutido isso com fundos de desenvolvimento no Nordeste, para trabalharmos linhas de financiamento específicas, que têm que ser diferentes das linhas de financiamento tradicionais.

Nossa área de economia aqui da associação está estudando também como adotar mecanismos para mitigação de riscos cambiais. Assim, conseguimos trazer financiamentos externos que são mais baratos.

Já percebemos muito interesse de investidores estrangeiros. Eu já tive reuniões com investidores de Singapura, Suíça e Japão para falar sobre o setor. Esses investidores também se mostraram interessados na compra de crédito de carbono associado ao setor de resíduos sólidos.

BNamericas: O mercado de créditos de carbono também é uma fronteira de expansão para a área de resíduos sólidos de forma geral?

Maranhão: Bastante. O gerenciamento do resíduo sólido é uma atividade associada à questão ambiental e não tem os riscos, por exemplo, de ativos florestais associados ao crédito de carbono.

Com relação a ativos florestais, há riscos de existir muitas fraudes e falsificações relacionadas às compras de terras, o que não acontece no setor de aterros sanitários.

BNamericas: Há pontos regulatórios que ainda precisam ser resolvidos no setor?

Maranhão: Sim. Temos planos para discutir com a ANP [Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis] uma cooperação técnica com eles para a autorização rápida dos projetos.

Além disso, temos que resolver uma questão associada ao ICMS, que é o imposto cobrado pelos estados. O que mais atrasa hoje a aprovação dos projetos é esta questão.

Para uma empresa operar, ela precisa obter inscrição estadual, porque a atividade é classificada como geração de combustível, e isso criou um problema. Queremos explicar aos governos estaduais que temos que ter uma cobrança de imposto específica. Não podemos ter um ICMS semelhante ao que se paga em um posto de gasolina, porque são atividades diferentes.

Contudo, quero ressaltar que, de forma geral, estou otimista com o setor. O mundo, não é só o Brasil, caminha para a descarbonização da economia, e nós estamos entrando exatamente na ponta de ajudar na descarbonização.

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Fonte: bnamericas
https://www.bnamericas.com/pt/entrevistas/combustivel-do-futuro-aterros-sanitarios-atrairao-investimentos-em-biogas-e-biometano