Opinião Jurídica
Fernando Bernardi Gallacci
Há cada vez mais interesse nos projetos de resíduos sólidos urbanos (RSU). Talvez pela melhora regulatória causada pelo novo Marco do Saneamento. Talvez por conta da emissão da primeira norma de referência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que fixou parâmetros para estruturar a cobrança pelos serviços. Talvez, ainda, pelo lançamento de diferentes concessões apoiadas por órgãos federais (como FEP/Caixa).
Está na pauta do dia a busca de clareza, pelos investidores, da estrutura de financiamento dos empreendimentos público-privados, suas garantias e estruturas de contraprestação, sendo fundamental o entendimento da legislação e dos últimos precedentes.
Embora haja discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do RE 847.429/SC, a Lei do Saneamento exige que o titular dos serviços de RSU preveja um mecanismo de cobrança, mediante taxa, tarifa ou preço público, sob pena de prejudicar a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços e atrair crime de responsabilidade fiscal.
Os preços devem guardar relação com o nível de rendados usuários e com os recursos necessários para promover a destinação adequada de RSU, mas não só. Segundo a legislação, ainda é possível lastrear os preços nas estimativas do uso dos serviços por meio, por exemplo, do consumo de água, frequência de coleta, ou características volumétricas dos resíduos.
A cobrança dos serviços poderá adotar diferentes instrumentos, seja mediante emissão da nota conjunta com o IPTU, seja por meio de cofaturamento com as contas de água ou de luz.
As formas de “fatura específica” ou “cofaturamento” são incentivadas pela regulação de referência da ANA, a qual lhes confere prioridade em face das demais alternativas. Quer dizer, as autoridades devem preferencialmente adotar expedientes como o cofaturamento nas contas de água ou de luz para assegurar o pagamento pelo manejo de resíduos, devendo motivar sua escolha caso decidam seguir com solução alheia, por exemplo, atrelada a cobrança via IPTU ou algum carnê.
Se adotada cobrança tarifária, os contornos da gestão comercial precisam constar do respectivo contrato de parceria, enquanto a instituição de taxa de lixo exige lei específica.
Na hipótese de tarifa, o reajuste dos preços é contratual e preferencialmente deve ocorrer a cada 12 meses. Caso a remuneração ocorra mediante taxa, o reajuste precisa ser operado com apoio de nova legislação, seguindo os princípios tributários, como legalidade, anterioridade e utilização das receitas aos fatos que deram origem ao tributo.
Por lei, é fundamental que a delegação dos serviços de manejo de RSU demonstre a sua sustentabilidade econômico-financeira, atestando a existência de recursos suficientes para o pagamento dos valores exigidos para execução dos serviços, com projeção futura de dispêndios. Essa previsão é acompanhada da exigência, também prescrita em lei, de que seja dada clareza da fonte de montantes que irá lastrear os pagamentos governamentais nas contratações.
Não obstante essas diretrizes, uma análise recente de PPPs lançadas ao longo de 2023 indica preocupações por identificar premissas afastadas daquelas previstas na legislação.
Foram vistas PPPs de RSU que também delegam atividades de limpeza urbana, porém com custeio de ambos os serviços a partir da vinculação da receita de taxas de lixo, cuja hipótese de incidência aplica-se apenas para financiar a coleta e manejo de RSU.
Esse tipo de modelagem atrai questionamento ao projeto no sentido de que o uso dos recursos exclusivos aos serviços de RSU também seriam utilizados para financiar atividades alheias daquelas para as quais as taxas teriam sido criadas.
E esse questionamento não parece perder fundamento se houver dispositivo genérico afirmando que a falta de recursos advindos da vinculação das taxas de lixo permitiria as autoridades depositarem outros montantes na estrutura de conta vinculada. A lei exige que se comprove ex-ante a sustentabilidade econômico-financeira do projeto, não podendo pleitear a regularidade da modelagem pela possibilidade de aporte posterior cuja necessidade se saiba necessária desde o início.
Sabendo que os recursos das taxas não são suficientes, o titular deve detalhar no instrumento convocatório a fonte de receitas que fará frente aos serviços de limpeza urbana, para além de demonstrar que a modelagem contratual considerou segregar as fontes de pagamento para cada uma das diferentes atividades executadas na parceria.
Além disso, cuidados inatos para vinculação das receitas tributárias ao contrato precisam estar no radar dos estruturadores, deixando de tentar proceder com simples vinculação contratual, para seguir com a legalidade da matéria orçamentária e as boas práticas de projetos semelhantes, por exemplo, operando a vinculação mediante autorização legal específica que permita afastar questionamentos vistos no Tribunal de Contas do Município de São Paulo,quando da análise do projeto de iluminação pública da capital paulista.
Muitos são os pontos de atenção para avaliar investimentos público-privados no campo de RSU.A legislação evoluiu para apoiar arranjos que privilegiem sustentabilidade econômico-financeira de novos projetos, mas ainda há carência de iniciativas que deixem de copiar e colar experiências pregressas, muitas vezes viciadas em precedentes inadequados.
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Fernando Bernardi Gallacci é sócio de Infraestrutura, Regulatório e Negócios Governamentais do Souza Okawa Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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