Descaso histórico faz com que país tenha resultado pífio no descarte de resíduos
Folha de São Paulo 13/12/2023

Das encostas de morros em bairros periféricos jorram cascatas de dejetos. Sacolas se espalham pela caatinga. Garrafas plásticas infestam rios e córregos. Esquinas, acostamentos e praças recebem toneladas de entulho. Só não vê a situação calamitosa dos resíduos sólidos no Brasil quem não quer.

Nesse caso, não se aplica nem mesmo a justificativa habitual para o descaso do poder público com esgotos — tubulações invisíveis debaixo da terra, diz o lugar comum, não dão voto a ninguém. O lixo urbano está à vista e se revela também não monturo de estatísticas.

Meros 61,1% dos resíduos foram destinados a aterros sanitários em 2022, constata a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente. Os restantes 38,9% terminaram a céu aberto, 27,9 milhões de toneladas em lixões insalubres ou aterros controlados e 5,3 milhões nem sequer foram coletadas.

Aterros sanitários contam com camada impermeabilizadora do solo, para evitar percolação de chorume até o lençol freático, e sistemas de captação do líquido poluente e de gases gerados pela decomposição. Os aterros controlados, em que pese o nome, carecem desses dispositivos sanitários.

A variação do índice sobre os 60,5% de 2021 foi desprezível, só 0,6 ponto percentual. Para um país que tinha por meta eliminar em 2014 a destinação inadequada, é um desempenho pífio. O objetivo foi postergado para 2024, mas terá de ser adiado de novo —no ritmo de 2021/22, seriam necessários 65 anos para alcançá-lo.

Tamanho fracasso é obra de sucessivos governos. A regra é acomodar-se com a falta de cobrança por eleitores e pela opinião pública.

Sudeste, Sul e Centro-Oeste têm os melhores desempenhos, com 98,6%, 97% e 94,9% de lixo coletado. Mas mesmo nas duas primeiras, as regiões mais urbanizadas e ricas do país, há indicadores acabrunhantes: 28,4% e 25,7% de seus resíduos sólidos, respectivamente, têm destinação inadequada.

Ademais, a reciclagem de material inorgânico também é vexatória. Apenas 14,7% da população urbana do país tem acesso à coleta seletiva. Sul e Sudeste novamente estão à frente, mas só com 31,9% e 20%.

Outro lugar comum diz que falta vontade política para reverter a situação. Mais precisamente, leis e metas são anunciadas periodicamente contra indicadores chocantes de nosso atraso civilizatório, mas pouco se acompanhada de sua execução cotidiana.