Fonte: Levantamento do Cenima (Ibama) de 2019
Taís Hirata / De São Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá retomar, na sexta-feira (2), uma votação que poderá tornar oficialmente irregulares aterros sanitários em até onze Estados, por estarem localizados em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Em 2018, uma decisão do tribunal impediu que aterros ocupassem essas áreas, porém, embargos de declaração tentam reverter a restrição ou, ao menos, minimizar os impactos para as unidades já existentes.
Um mapeamento do Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais, do Ibama, aponta a existência de 18 aterros situados (parcial ou totalmente) em APPs. As unidades estão nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso, Pernambuco, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Caso o voto do ministro relator Luiz Fux se confirme, as unidades existentes terão um prazo de três anos, a partir da decisão final, para desocupar as APPs.
Até o momento, a votação está desfavorável às operadoras de aterro. Outros três ministros acompanharam o relator, e outros dois tiveram divergências parciais: o ministro Gilmar Mendes foi favorável à construção dos aterros nas APPs e defendeu que, caso vencido, os efeitos se apliquem apenas a empreendimentos futuros; já o ministro Alexandre de Moraes sugeriu um prazo maior para a desocupação das áreas, de até dez anos.
Procurado, o governo de São Paulo apontou preocupação diante da possível remoção dos aterros e disse que “uma nova estrutura de aterro capaz de receber a quantidade de resíduos dos municípios que hoje utilizam os aterros citados pode levar, em média, 5 anos”. O governo do Rio de Janeiro afirmou que caso haja necessidade de adequação, “o órgão ambiental estadual conduzirá uma análise minuciosa”. O Estado de Pernambuco diz que quando forem recebidas “as informações oficiais do STF, avaliaremos a situação do aterro”. O governo do Mato Grosso refuta o dado do Ibama e diz que “não licencia atividades de aterro sanitário em APPs, conforme a legislação ambiental do Estado”.
O governo do Rio Grande do Sul diz que, embora parte do terreno do aterro sanitário seja classificada como APP, “a estrutura do aterro licenciado não fica nesta área, estando as células para depósito de resíduos instaladas a mais de 200 metros”, e diz que a APP seguirá preservada. O Estado de Santa Catarina afirma que “ainda não cabe manifestação técnica e jurídica, nem definição de um planejamento sobre algo que ainda não existe juridicamente”. O governo do Paraná nega que haja “disposição de resíduos sólidos urbanos em APPs”. Os Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso, Bahia e Sergipe não se manifestaram.
A decisão do STF opõe operadores de aterros e entidades da sociedade civil. As empresas estimam custos altos para a desativação dos aterros que hoje estão em APPs. Segundo estudo do engenheiro Luís Kaimoto, contratado pela Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente), seria necessário de sete a dez anos para a regularização — ou seja, ao menos quatro anos a mais do que o previsto no relatório de Fux. Ao longo desses quatro anos, o custo estimado para a transição a novas unidades é de ao menos R$ 52 bilhões.
Além disso, as companhias dizem que será difícil encontrar terrenos de grande porte, próximos a centros urbanos, para a construção dos aterros regularizados, o que pode prejudicar a meta de acabar com lixões. “Achar áreas não vinculadas à preservação é muito difícil”, diz Kaimoto.
Segundo Carlos Silva Filho, presidente da ISWA (Associação Internacional de Resíduos Sólidos, em tradução do inglês) e ex-dirigente de uma associação de empresas do setor, os aterros não representam riscos às APPs. “Um aterro bem operado não tem impacto. É que nem uma ponte, se não tiver manutenção, pode desabar. Os casos de vazamento em aterros se deram por falha na operação, mas não é o padrão.”
Já especialistas ligados ao meio ambiente veem como positiva a restrição de aterros nas áreas de preservação, principalmente devido aos riscos de dano ambiental. “O aterro sanitário é uma infraestrutura que supostamente foi construída para não ter vazamento, mas estes são comuns, o que afeta lençóis freáticos, cursos d’água. Em uma área de preservação ambiental, há risco de contaminar recursos que são fundamentais”, diz Elisabeth Grimberg, coordenadora da área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis.
O ISA (Instituto Socioambiental) também se posicionou de forma favorável à restrição aos aterros nas APPs. “Há muitos impactos desses empreendimentos, o que pode gerar efeitos a recursos hídricos, para o abastecimento à população, a agricultura, a indústria. Então acreditamos que a decisão foi correta, mas entendemos que deve haver uma transição, uma modulação dos efeitos, para também garantir o direito da população ao saneamento básico”, afirma Mauricio Guetta, advogado do instituto.
Empresas ligadas a outras tecnologias de destinação do lixo também apoiam a restrição à presença dos aterros e cobram políticas para incentivar outras formas de destinação. “Os aterros são necessários para a transição a modelos mais sustentáveis”, afirma Yuri Schmitke, presidente da Abren (Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos), que defende usinas de geração elétrica a partir do lixo, como incineradores.
Ele afirma, porém, que são necessários incentivos iniciais para prosperar — no caso da recuperação energética, ele defende que sejam concedidos subsídios para que o preço da energia seja economicamente viável, ao menos em um primeiro momento.
Para Grimberg, a solução passa por uma mudança no sistema de coleta e tratamento do lixo urbano para possibilitar a reciclagem dos materiais secos e a compostagem do material orgânico (o que pode ser feito em unidades de tratamento menores e descentralizadas), além de outras tecnologias para geração de energia elétrica ou biogás. “Nesse sistema, o que sobra de rejeito é 10%, no máximo 20%, do lixo total”, diz ela.
“Os aterros são necessários para a transição a modelos mais sustentáveis” Yuri Schmitke.
Sábado, domingo e segunda-feira, 27, 28 e 29 de janeiro de 2024 | Valor