Combustível do lixo. No aterro sanitário de Seropédica, que substituiu lixão de Gramacho, gases gerados pelo material orgânico prensado e coberto por tratores são canalizados para servir de insumo ao biometano

Regularização de depósitos custa R$ 5 bi. Biometano vira combustível promissor

VINICIUS NEDER
vinicius.neder@oglobo.com.br

 A meta de acabar com lixões em todo o Brasil e a demanda de empresas em busca de reduzir emissões de gases do efeito estufa (GEEs) têm mobilizado investimentos em torno do aproveitamento de resíduos sólidos, do lixo comum das cidades aos rejeitos da agropecuária. Fechar todos os depósitos inadequados que o país ainda tem requer R$ 5 bilhões, diz o Ministério do Meio Ambiente (MMA), enquanto o investimento na produção de biometano a partir dos gases resultantes da decomposição da matéria orgânica poderá chegar a R$ 6,4 bilhões em cinco anos, segundo a Abiogás, associação que representa os produtores.

A obrigação de eliminar todos os lixões deveria impulsionar os investimentos, públicos e privados, em aterros sanitários, mas o prazo para atingir a meta vem sendo postergado sucessivamente. O prazo atual, até agosto deste ano, é inatingível, reconhece o secretário de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do MMA, Adalberto Maluf, mas, antes de mais um adiamento, ogoverno quer apresentar um plano para encerrar os 2,1 mil depósitos inadequados que ainda há no país — 1.572 lixões e 598 “aterros controlados”, terrenos fechados, mas que não tratam os resíduos.

Os R$ 5 bilhões em investimentos necessários podem ser públicos ou privados, já que tanto a coleta quanto a destinação do lixo são servi ços que costumam ser concedidos, especialmente em parcerias público-privadas (PPPs). A operação de aterros sanitários e a coleta de lixo movimentaram R$ 31,2 bilhões em 2022, dado mais recente da Abrema, associação do setor. Há hoje 206 projetos de PPP ou concessão no setor em desenvolvimento, segundo a consultoria Radar PPP.

De acordo com Adriana Felipetto, presidente da Ciclus Ambiental, concessionária do Centro de Tratamento de Resíduos Rio, aterro sanitário em Seropédica que substituiu o lixão de Gramacho, esses serviços têm potencial para PPPs porque são operações de longo prazo, de 20 a mais de 30 anos. Por isso, licitações comuns tendem a não funcionar bem:

—Se quem constrói não é quem vai operar, pode construir de uma maneira talvez incorreta. E para quem vai operar, não adianta construir para 30 anos. Tem de ser algo contínuo, operar e implantar ao longo do tempo.

Demanda. A planta da Gás Verde em Seropédica fornece para indústrias

PARCERIA SEM GARANTIA

As PPPs dão mais segurança aos contratos longos, garantem que o operador também cuide da obra e permitem que as prefeituras paguem pelo serviço. Isso porque, embora permitida, a cobrança de taxa do lixo dos cidadãos ainda não está estabelecida na maior parte das cidades, em parte por causa do elevado nível que teriam, diz Frederico Ribeiro, sócio da Radar PPP.

Por outro lado, a dependência dos recursos públicos é um obstáculo para atrair mais empresas privadas. Um “grande nó”, aponta Adriana, é a falta de fundos garantidores, para indenizar os operadores no caso de atrasos no pagamento das contrapartidas das PPPs pelas prefeituras.

Outro obstáculo é o licenciamento ambiental de terrenos para a construção dos aterros. Por isso, em vez de participar de PPPs, a Orizon VR, que opera 15 “ecoparques” em dez estados, prefere comprar aterros construídos há pouco tempo ou em fase final de licenciamento para, depois, fechar contratos com as cidades, explica Milton Pilão Jr., presidente da empresa:

—Temos um mapeamento nacional e vamos privilegiando a compra ou a instalação de novos aterros onde haja lixões. Quando abrimos as portas, damos a opção para aquelas prefeituras enviarem seus resíduos e fecharem lixões locais.

Enquanto taxas do lixo não se estabelecem e as PPPs dependem da gestão municipal, ageração de energia elétrica e, especialmente, a produção de biometano, surgem como nova fonte de receitas.

Produzido conforme padrão da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a partir do lixo, o biometano é um combustível equivalente ao gás natural, tanto industrial quanto veicular (GNV). Pode ser injetado em gasodutos ou abastecer quaisquer veículos a gás, sem adaptação. O Brasil tem 90 projetos viáveis de biometano, que podem sair do papel nos próximos cinco anos.

Tanto a geração de eletricidade em pequenas termelétricas quanto a produção de biometano em unidades de processamento usam o biogás, que reúne os gases resultantes da decomposição do material orgânico do lixo. Nos aterros, com tratamento correto, o bio gás é captado por dutos entre as camadas de areia e argila que cobrem os resíduos e pode ser canalizado até as usinas, em vez de queimado.

Segundo executivos do setor, gerar eletricidade a partir do lixo não compensa diante da concorrência com outras fontes limpas, como a eólica e afotovoltaica, que já têm escala ou subsídios e, portanto, preços melhores. Já a produção de biometano é vista como cada vez mais promissora.

Hoje, seis usinas de biometano produzem o equivalente a 0,7% do consumo nacional de gás natural, de 22,4 bilhões de metros cúbicos em 2022, segundo dado mais recente da ANP. A Abiogás estima que as principais fontes de resíduos —a agropecuária, mais do que os aterros sanitários — geram biogás para 44,1 bilhões de metros cúbicos ao ano.

— Com incentivos corretos, conseguiríamos chegar à metade disso, que é basicamente o consumo de gás que existe hoje no Brasil — diz Renata Isfer, presidente da Abiogás.

A Gás Verde, dona da maior usina de biometano do país, no aterro de Seropédica, vai investir R$ 600 milhões até 2026, para chegar a nove unidades. A empresa comprou, em 2023, oito termelétricas a biogás em vários estados e vai convertê-las em processadoras de biometano, elevando sua produção total em quase quatro vezes. A Orizon VR tem apenas uma usina de biometano, no aterro de Paulínia (SP), mas seu plano de negócios prevê R$ 1,2 bilhão em investimentos na produção desse substituto do gás natural.

DEMANDA DAS EMPRESAS

Segundo Marcel Jorand, presidente da Gás Verde, a aposta acompanha a demanda crescente das empresas por biometano, tanto para uso industrial quanto em frotas próprias de caminhões, dada a necessidade que têm de reduzir emissões de gases do efeito estufa

— Os aterros hoje estão em grandes cidades e têm grandes volumes. Então, são as maçãs mais baixas para serem alcançadas, mas o grande pomar que temos no Brasil vem das pequenas e médias produções, que são os lixões que vão se transformar em aterros menores, e da produção rural — diz.

A Abiogás defende incentivos estaduais para postos de combustível com GNV e biometano nas estradas, incentivos federais à compra de caminhões a gás, no lugar do diesel, e “mistura mínima” do gás renovável no convencional, o que permitiria interiorizar o uso do gás. O BNDES sinaliza com crédito subsidiado, já que esses projetos podem acessar o Fundo Clima, com juros mais baixos. Em 2023, o banco aprovou seis empréstimos para projetos nessa área, no total de R$ 689 milhões. Em 2024, deve aprovar mais dez, diz Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática.

SEM OPORTUNIDADES NA RECICLAGEM, FUTURO DE CATADORES SEGUE INCERTO

O fechamento de lixões pode ter um efeito colateral na ocupação dos catadores. Apesar de arriscado e degradante, o trabalho deles sustenta milhares de famílias. O Brasil tem cerca de 400 mil catadores, segundo estimativa do Ipea com base no Censo 2010.

Empregar os catadores dos lixões em usinas de reciclagem seria a alternativa óbvia, mas o reaproveitamento de resíduos é incipiente no país. Em 2022, 1,12 milhão de toneladas de recicláveis foram tratados, ante 63,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, segundo o Ministério das Cidades. Há 39 mil catadores envolvidos na reciclagem.

‘CAMINHO SEM VOLTA’

O fechamento do lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, 12 anos atrás, ilustra o problema. Autoridades contaram 1,7 mil catadores que ficariam sem trabalho. Eles receberiam indenizações e empregos. A Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Rio anunciou a construção de um polo de reciclagem no local, com dez galpões, mas quase nada saiu do papel. Dois galpões foram construídos. Em 2022, 40 pessoas trabalhavam ali, mostrou reportagem do g1.

O projeto começou a ser retomado no fim do ano passado, com investimento socioambiental da Petrobras, de R$ 4 milhões. O terceiro galpão deverá ficar pronto até maio, diz Sebastião dos Santos, presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (ACAMJG). Segundo Santos, hoje, 100 catadores trabalham nas cooperativas de Gramacho. O terceiro galpão gerará mais 25 vagas. E quatro cooperativas estão em articulação para viabilizar um novo projeto, de mais quatro galpões e 200 postos de trabalho.

Santos considera o avanço da reciclagem um “caminho sem volta”, mas vê resistência das empresas e cobra o governo, pois a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), “uma das melhores do mundo”, tem sido mal aplicada:

— A política focou em fechar lixões. O governo federal deu bilhões para montar aterros sanitários e não se preocupou com a coleta seletiva.

Agora, para impulsionar a reciclagem, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) aposta na regulamentação da logística reversa, com regras que obriguem a indústria a coletar os resíduos que produz, diz Adalberto Maluf, secretário da pasta. Segundo ele, há hoje 13 sistemas de logística reversa, quase todos estabelecidos em acordos setoriais. O MMA decidiu “transformar tudo em decretos”, o que “obriga todo mundo a prestar conta”, diz Maluf.

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