FOLHA DE SÃO PAULO – 03/07/2024

Os oceanos do planeta acumulam hoje entre 75 e 199 milhões de toneladas de resíduos plásticos, segundo estimativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Trata-se de um retrato da histórica má gestão global de resíduos sólidos urbanos, em que mais lixo plástico escapa para o meio ambiente (22%) do que é coletado para reciclagem (15%), de acordo com estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Na prática, apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados no mundo.

Para agravar esse quadro, o uso global de plástico, que quadruplicou nos últimos 30 anos, deve dobrar até 2060. Com isso, pode tornar-se real a projeção de que, se o cenário não mudar, em 2050 haverá mais plástico do que peixe nos oceanos.

Como as correntes marítimas não conhecem fronteiras, o vazamento de lixo plástico para o oceano é um desafio global que faz com que pequenas ilhas com baixo consumo deste material sejam invadidas pelo resíduo trazido de outros países. Ou que faz aparecerem garrafas plásticas de bebidas produzidas na China e na Malásia no litoral Sul da Bahia, como verificou projeto de coleta empreendido pela Veracel, no Terminal Marítimo de Belmonte.

Ainda que a pesca e o transporte marítimo sejam responsáveis por parte do plástico nos oceanos, são os rios os maiores emissores desses resíduos nos mares. Eles carregam até o mar o lixo plástico descartado de forma inadequada —às vezes há centenas de quilômetros de distância da linha costeira.

Um estudo da ONG holandesa Ocean Clean Up feito em parceria com pesquisadores de universidades da Holanda, Alemanha e Nova Zelândia apontou que cerca de mil rios dos cinco continentes são responsáveis por 80% das emissões anuais de plástico no oceano, estimadas entre 0,8 e 2,7 milhões de toneladas por ano.

No Brasil, a organização Blue Keepers, que integra o Pacto Global da ONU, identificou 600 portas de entrada de lixo plástico no mar. As principais delas ficam nos estuários de grandes bacias hidrográficas do país, como o das baías de Guanabara (RJ) e de Todos os Santos (BA), e dos rios Amazonas, Tocantins, São Francisco e Paraíba do Sul.

Segundo o estudo, um terço do plástico produzido no Brasil está propenso a chegar ao oceano todos os anos, e a estimativa é de que cada brasileiro seja responsável por contribuir com 16 kgs de resíduos plásticos da poluição marinha anualmente, o que prejudica a pesca e o turismo.

“O plástico dos oceanos não é um problema cênico”, diz o biólogo Ítalo Braga, professor da Unifesp em Santos (SP). “Ele ameaça a biodiversidade, gera morte celular, processos inflamatórios e danos à reprodução que vão muito além do plástico no estômago da baleia ou do canudo enfiado no nariz da tartaruga. São microalgas, bactérias e animais invertebrados que geram serviços ecossistêmicos dos quais depende toda a vida no planeta, incluindo a vida humana.”

Embalagens representam 40% de todos os resíduos plásticos. Isso porque hoje metade do mercado de embalagens é do plástico, a maior parte delas projetadas para o descarte.

“A lixeira das nossas casas é uma simulação do que acontece no ambiente, nos mares, nas praias: a maior parte dos resíduos não orgânicos é plástico”, explica o biólogo André Lima, pesquisador do Mare (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) de Portugal.

“O plástico se tornou parceiro do modelo atual de produção, consumo e acumulação porque ampliou o acesso a produtos e a alimentos que precisavam ser conservados. Quando a gente começa a rever esse modelo, uma das coisas é rever o nosso consumo de plástico”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Plástica, Paulo Teixeira, apontando para os casos em que certos produtos estão sendo banidos e outros, substituídos.

Para Lara Iwanicki, da ONG Oceana, “o passivo ambiental da poluição plástica é da indústria, e o fato de vários países terem percebido o tamanho do problema simultaneamente” alerta para a urgência do tema.

Um Tratado Global Contra a Poluição Plástica está em negociação no âmbito da ONU e deve ser concluído em novembro, em reunião na Coreia do Sul.

Iwanicki, que lidera a campanha de Combate à Poluição Marinha por Plástico da ONG, explica que as algumas das características que fizeram do plástico um material valioso para a indústria também o transformaram em um problema ambiental: baixo custo, baixa densidade e alta durabilidade.

O baixo custo fez o material ganhar escala, a baixa densidade faz com que ele seja facilmente transportado pelo vento e pelas águas, e a alta durabilidade faz com que ele persista por muito tempo no ambiente.

No mar, sob o efeito do vento, das correntes e dos raios ultravioleta, o plástico se fragmenta em microplásticos e nanoplásticos que ameaçam a fauna marinha e que já foram encontrados em diversos órgãos do corpo humano.

O relatório da Oceana informa que no Brasil já foram necropsiados mais de 3,7 mil animais que ingeriram resíduos plásticos e que um em cada dez deles vem a óbito. Ao confundir pedaços de plástico com suas presas, eles entopem seu trato digestivo com o resíduo e morrem de inanição.

Parte desses resíduos é dos chamados plásticos de uso único, que engloba talheres, pratos e copos descartáveis, mas também embalagens e sachês.

O número de países que baniram produtos plásticos desse tipo cresce ano a ano e engloba nações como Coreia do Sul, Ruanda, Índia, Hong Kong e Inglaterra. A União Europeia projetou o banimento de plásticos de uso único para 2030.

Uma pesquisa realizada pelo Ipsos em 32 países apontou que 85% das pessoas concordam com o banimento de plásticos de uso único que são desnecessários –o que não é o caso de ítens de uso hospitalar, por exemplo.

“Se não dá para falar de parar de produzir plástico, vamos ao menos falar do plástico problemático e daquele que é descartável e evitável”, afirma Adalberto Maluf, secretário de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente.

Ranking feito pelo movimento global Break Free From Plastic (liberte-se do plástico, em inglês), os resíduos mais encontrados pertenciam a produtos de marcas como Coca-Cola, Nestlè, PepsiCo, Unilever e Philip Morris.

“A dor do plástico é a geração de resíduos que estão sendo encaminhados para o meio ambiente de forma inadequada. Se a gente resolver esse problema e retornar esse resíduo novamente para o processo produtivo, é a melhor solução de longe”, avalia Fabiana Quiroga, diretora de economia circular da Braskem.

Isso pode acontecer por meio do reuso e da reciclagem, que tem desafios importantes quando se trata de plástico, já que alguns tipos têm limitações técnicas e econômicas.

Para Luísa Santiago, diretora da Fundação Ellen MacArthur no Brasil, é preciso escalar o modelo de reuso. “Reuso tem apelo enorme junto ao consumidor, especialmente os de baixa renda, porque há uma redução dos custos. Mas a gente tem normas técnicas e sanitárias muito antigas, que não acompanharam o avanço da tecnologia”, afirma.

Um estudo feito em parceria com o Fórum Econômico Mundial apontou que o reúso de 10% dos produtos plásticos seria capaz de reduzir pela metade o escape de resíduos plásticos para os oceanos.

Fonte: Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/07/mais-plastico-vai-para-o-oceano-do-que-para-a-reciclagem.shtml