FOLHA DE SÃO PAULO – 22/07/2024

A Folha noticiou que o país tem escassez de dados sobre reciclagem (“Brasil tem escassez de dados sobre reciclagem e acumula pontos cegos”, 15/6). Esse problema é crônico, antigo, e nos leva à seguinte questão: sem evidências, como formular políticas públicas eficientes?

Apenas com informação de qualidade é possível orientar, planejar e, principalmente, medir. De fato, mensurar a quantidade e qualidade de resíduos já descartados em aterros é improdutiva ou inviável. Nas palavras de Lord Kelvin, grande cientista inglês, “aquilo que não se pode medir não se pode melhorar”.

Como se pode identificar peso e material dos resíduos antes do seu descarte? Essa questão levou o Instituto Recicla a encontrar uma solução surpreendentemente simples, que tira proveito da infraestrutura de um sistema ao qual todo o comércio brasileiro está habituado: a Nota Fiscal Eletrônica (NFe).

O consumidor mais atento, que pede “CPF na nota”, já percebeu que suas compras ficam registradas no site da Secretaria da Fazenda do seu estado. Ali, cada produto corresponde a um número, o GTIN (Global Trade Item Number). Trata-se de um identificador universal de itens comerciais. Em todo o mundo, cada produto diferente equivale a um GTIN unívoco. Em outras palavras, o GTIN é o número que fica acima do código de barras. Para circular no comércio, o produto precisa de um GTIN, e seu registro é feito pelo fabricante ou dono da marca.

As secretarias de Fazenda estaduais usam o sistema de NFe apenas para fins tributários. Elas sabem, por exemplo, que uma unidade de 300 ml de suco de laranja, do fabricante x, foi vendida a R$ 5 no supermercado y, no município z. Se o consumidor se identificar com o CPF, a secretaria saberá, inclusive, quem a comprou. O que o fisco, e especialmente as prefeituras, não sabem é o quanto de lixo esse produto vai gerar.

Se o fabricante X, responsável pelo GTIN do suco, também incluísse no cadastro desse produto peso e material da embalagem, teríamos dados importantes para medir a qualidade e quantidade de resíduos antes do descarte. Assim, a sociedade saberia que, do supermercado Y, também saíram 30 gramas de PET que, se não reciclados, irão na melhor hipótese para um aterro sanitário.

Ou seja, é possível usar o sistema de NFe para identificar e medir, no pré-consumo, que resíduos, e em que quantidade, serão lançados aos serviços de coleta municipal; se são, ou não, recicláveis; informar ao consumidor a pegada ambiental de suas compras e onde proceder ao descarte adequado; munir a prefeitura de dados para planejar suas políticas locais de gestão de resíduos.

O que o Instituto Recicla propõe, é, nada mais, nada menos, usar um sistema já implementado e exitoso para prover à sociedade civil e ao poder público informação de qualidade. Assim, baseados em evidências, será possível orientar suas ações para aumentar o atual índice de reciclagem do Brasil —de cerca de apenas 3%. O potencial de melhora é evidente porque 99% das pessoas consideram importante a reciclagem para o futuro do país e do mundo (pesquisa Datafolha, junho de 2024).

O uso da NFe para fins ambientais nada mais é que a concretização da transparência e do acesso à informação, pilares das relações de consumo, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, do Princípio 10 da Declaração do Rio, e da Constituição do Brasil.

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Fonte: Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/07/a-revolucao-dos-lixos.shtml