O GLOBO – 02/08/2024

Este dia 2 de agosto de 2024 traz uma reflexão para os brasileiros e uma cobrança aguda para as lideranças do país: quando vamos, enfim, eliminar os terríveis lixões que ainda nos lembram a pré-história do saneamento básico? Até quando aceitaremos milhões de toneladas de lixo contaminando solo, água e ar, muitas vezes vasculhados por pessoas numa luta sub-humana pela sobrevivência?

A data marca o fim do prazo assumido pelo Brasil para fechar todos os lixões do país. Esse compromisso foi firmado há exatos 14 anos pela então recém-criada Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que estipulava 2014 como limite. Tido como inexequível, o prazo foi estendido em capitais e regiões metropolitanas para até 2 de agosto de 2021, enquanto cidades com mais de 100 mil habitantes teriam um ano a mais para atingir o mesmo objetivo. Cidades entre 50 e 100 mil habitantes teriam até 2023 para resolver o problema, e os municípios com menos de 50 mil moradores até 2024.

Hoje, ainda há cidades de todos esses perfis com lixões ativos. Por diferentes razões, gestores municipais optam pela destinação ambientalmente inadequada. Estima-se que um terço dos mais de 3 mil lixões existentes atualmente poderia ser encerrado apenas utilizando a infraestrutura atual de aterros sanitários. Estes são por excelência a destinação segura do lixo, pois tratam o chorume e o metano, duas substâncias de alto potencial poluidor, e permitem a produção de biocombustíveis e eletricidade.

A International Solid Waste Association (ISWA) divulgou um estudo que atesta que o tratamento de doenças relacionadas ao descarte inadequado do lixo custa cerca de US$ 370 milhões por ano ao sistema de saúde pública do Brasil. O levantamento constatou que mais de 1% da população do país desenvolve enfermidades diretamente ligadas ao lixo não tratado corretamente. Em números atuais, isso representaria mais de 2 milhões de pessoas com a saúde prejudicada. Mesmo populações a centenas de quilômetros dos lixões são vítimas de doenças evitáveis como dengue, zika e infecções diversas, impactando o sistema de saúde.

A própria PNRS, com o reforço do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado em 2020, estabelece caminhos para custear a gestão adequada de resíduos e otimizar sua operação. A regionalização dos serviços foi regulamentada para permitir que os municípios formem blocos e compartilhem uma infraestrutura comum, diminuindo os custos necessários para a gestão ambientalmente adequada dos resíduos.

A legislação também exige a criação de tarifas ou taxas destinadas a custear a gestão do lixo, assim como já ocorre em relação a outras concessões públicas, como eletricidade, telefonia móvel, abastecimento de água e esgotamento sanitário. Essa cobrança garante a sustentabilidade econômico-financeira da prestação dos serviços e o cumprimento integral dos contratos, além de evitar que a Prefeitura tire recursos do orçamento que poderiam ser destinados a outras políticas públicas, como saúde e educação.

A rota para a erradicação dos lixões já está traçada. Os prefeitos têm de cumprir a lei sob a fiscalização da população, dos tribunais de contas e do Ministério Público. Lixão não é opção. Neste momento de extrema urgência, devemos melhor aproveitar a rede já existente de aterros sanitários e investir em novas instalações nas regiões em que for preciso, além de investir mais em reciclagem e promover com firmeza a logística reversa.

É preciso agir. Com a erradicação dos lixões, o Brasil se livrará dessa herança de traços medievais e avançará alguns passos a mais no século XXI.

*Pedro Maranhão é presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente

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Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/08/lixao-nao-e-opcao-e-crime-ambiental.ghtml