VALOR ECONÔMICO – 30/08/2024
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) articula um pacto nacional para o encerramento “humanizado” dos lixões e aterros irregulares, que contempla organizar em cooperativas de reciclagem mais de 400 mil pessoas que hoje vivem da coleta de resíduos em terrenos insalubres. O plano deverá ser apresentado após as eleições municipais. A ideia é destinar R$ 7 bilhões para a iniciativa. São estimados R$ 4,1 bilhões de recursos privados. Outro R$ 1,4 bilhão deverá vir do Fundo de Equalização Federal, criado em agosto com recursos do novo programa de renegociação das dívidas dos Estados com a União. O restante será complementado com recursos orçamentários.
O pacto deverá envolver Ministério Público e Tribunais de Contas federal, estaduais e municipais, que precisarão dar aval para as negociações, uma vez que os gestores municipais que aderirem e seguirem todas as etapas do programa devem ter a garantia que não serão autuados pelo descumprimento da lei que implementou a Política Nacional de Resíduos Sólidos – e que estabelecia o dia 2 de agosto de 2024 como data limite para a erradicação dos lixões.
A iniciativa já tem aval do Palácio do Planalto e o apoio da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), que reúne empresas privadas do setor.
Os prefeitos que aderirem terão que cumprir uma série de compromissos, que se inicia com o aval da Câmara Municipal e dos governos estaduais. Também deverão estabelecer a cobrança de uma taxa para o manejo do lixo, recurso que será utilizado para os gastos operacionais do serviço. A adesão municipal será voluntária, mas a expectativa no MMA é que o pacto atraia um grande número de participantes.
“Os gestores municipais estão pressionados pela legislação da erradicação dos lixões. Quem não tem um plano de ação convincente pode ser pessoalmente autuado e responder criminalmente pela negligência”, afirma Adalberto Maluf, secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do ministério.
Pesquisa do MMA detectou que a maioria dos prefeitos de cidades que têm lixões estão preocupados e querem solucionar o problema, mas não sabem como. Entre eles, 40% indicam que o principal apoio federal que precisam é financeiro. Outros 30% solicitam apoio técnico e 25%, apoio político. “Oferecer assistência técnica é um dos pilares de nosso plano de ação”, diz Maluf.
“Gastamos com externalidades mais do que seria gasto com aterros”
— Carlos S. Filho
O MMA mapeou 1.751 municípios que mantêm lixões ou aterros controlados, aqueles que não estão ambientalmente adequados. O mapeamento também indicou qual a melhor solução para cada cidade. Em 397 delas foi detectado que não há necessidade de construção de um aterro sanitário, uma vez que poderão ser utilizadas estruturas já existentes em um raio de até 100 quilômetros da localidade.
A ideia do plano é atrair investimentos privados, em chamamentos públicos, para o estabelecimento de novos aterros em áreas com grande potencial de atendimento a várias cidades. Nas duas situações, os municípios de origem do resíduo pagam apenas pelo uso da estrutura, sem investir em aterros próprios. “É um bom plano, que não depende tanto dos escassos recursos públicos, mas de planejamento”, afirma Pedro Maranhão, presidente da Abrema. Para ele, “tem tudo para funcionar”, se os prefeitos se convencerem a criar taxas para a realização do serviço de coleta e destinação adequada dos resíduos.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas 40% dos municípios brasileiros cobram pela coleta e disposição do lixo – mas o valor arrecadado cobre, em média, só metade das despesas. No total, o país gasta R$ 30 bilhões por ano com os dois serviços.
“Quem não tem um plano de ação pode responder cri- minalmente”
— Adalberto Maluf
Estima-se que o Brasil produza cerca de 78 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano. Nem tudo, porém, é destinado – quase 20 milhões de brasileiros não contam com serviços regulares de coleta de lixo. O SNIS calcula que 62,5 milhões de toneladas foram depositadas no solo em 2023 e 1,3 milhão de toneladas foram recicladas. São 1.572 lixões a céu aberto e 598 aterros irregulares, para onde são direcionados 26,2% dos resíduos coletados. Mas os números podem estar subestimados. As informações do SNIS são fornecidas voluntariamente pelos municípios e 410 deles não enviaram dados. “Nossa estimativa é que existam em operação mais de 2.500 lixões e a destinação irregular de resíduos supere 33 milhões de toneladas por ano”, diz Maranhão.
A disposição irregular do lixo é um problema de saúde pública e ambiental. Lixões potencializam os vetores de doenças, como ratos, insetos e parasitas. O chorume gerado contamina o terreno e os lençóis freáticos, e esses locais respondem por 4% das emissões nacionais, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
O Brasil gasta R$ 97 bilhões por ano com as externalidades geradas pela má administração dos resíduos sólidos, segundo estudo da consultoria S2F Partners. “Gastamos com as externalidades mais do que gastaríamos para dotar o país com aterros sanitários adequados”, diz o consultor Carlos Silva Filho que preside a Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA).
A S2F Partners avalia que são necessários investimentos de R$ 16,5 bilhões para construção da infraestrutura capaz de resolver o problema e ainda reaproveitar, como determina a legislação, 22% dos resíduos sólidos por meio de coleta de materiais recicláveis, geração de energia e produção de fertilizantes. Hoje, nem 3% do material coletado é aproveitado economicamente.
O governo federal pretende estimular investimentos na gestão de resíduos sólidos por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Ministério das Cidades está em fase final de seleção de projetos que serão contemplados com recursos que somam R$ 940 milhões. Os projetos escolhidos serão anunciados ainda neste ano e uma nova seleção é planejada para 2025, afirma Leonardo Picciani, secretário nacional de Saneamento Ambiental.
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Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/saneamento/noticia/2024/08/30/pacto-contra-o-lixo.ghtml