ZERO HORA – 12/09/2024

Pedro Maranhão é economista, empresário e gestor de projetos de infraestrutura.
No setor privado, desenvolveu atividades nas áreas de saneamento, energia, agroindústria e reflorestamento, sempre exercendo o papel de gestor e formulador de novos negócios. Foi secretário nacional de Saneamento, atuando na aprovação, em 2020, do novo Marco Legal do Saneamento e suas regulamentações.

É atualmente o diretor-presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), entidade cujo objetivo é impulsionar de forma sustentável o desenvolvimento do setor de resíduos no Brasil.

Por que as empresas precisam de uma gestão de resíduos e como isso impacta na vida da sociedade como um todo?

A gestão de resíduos é de suma importância para o processo industrial e comercial. Ela permite identificar pontos de melhoria nos processos produtivos e no design dos produtos visando à redução de desperdício. O resíduo nada mais é que um desperdício de matéria-prima. Empresas que valorizam a gestão de resíduos valorizam a circularidade que, por sua vez, traz benefícios para a economia, a sociedade e o meio ambiente. Uma gestão de resíduos inadequada traz diversos problemas para a saúde pública e o meio ambiente, como doenças e a contaminação dos corpos hídricos e da atmosfera.

Hoje, em tempos de as empresas “pensarem ESG”, como a gestão de resíduos se mostra parte fundamental do cotidiano de uma organização?

O ESG, além das questões socioambientais, introduz a governança, que é um pilar central e um catalizador para a transformação da economia. O pilar da governança se manifesta nas taxonomias dos bancos centrais e no acesso a capital, mas também em legislações, como por exemplo a da logística reversa, que obriga a indústria a promover a reciclagem.

Quais os desafios para a implementação de uma gestão de resíduos de fato eficiente nos municípios brasileiros? E como resolver isso?

O grande desafio para a gestão de resíduos sólidos no Brasil é a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços prestados. No Brasil, diferentemente do que acontece nos países desenvolvidos, a coleta domiciliar em muitos municípios ainda é custeada pelo orçamento municipal, que não foi feito para isso. O orçamento municipal é para despesas coletivas, como, por exemplo, a limpeza de vias e logradouros, saúde ou educação, porém os serviços que recebemos em nossa casa precisam ser custeados pelo usuário, como acontece com a luz, água, esgoto, telefonia e gás. Imaginemos se a energia nos lares fosse custeada pelo orçamento municipal, muito provavelmente não haveria recursos para um serviço de qualidade e, com certeza, teríamos muito desperdício já que o usuário não teria nenhum estímulo para otimizar o uso. A cobrança domiciliar, quando feita de forma justa e correta, trará os recursos necessários para elevar o nível do serviço e reduzirá a geração dos resíduos graças à economia comportamental, ou seja, quem gera mais paga mais, quem gera menos paga menos. A luz, água, gás e telefonia, entre outros serviços domiciliares, funcionam assim. Por fim, para que o sistema de gestão de resíduos seja eficiente em um país continental como o nosso, as soluções regionalizadas são de suma importância, pois a escala nas soluções compartilhadas possibilita baratear custos e viabiliza a gestão dos resíduos para municípios pequenos.


Em maio, o Rio Grande do Sul viveu a maior enchente da sua história, que atingiu grande parte dos municípios. Ainda vemos montanhas de detritos acumulados. Como avançar nesse sentido?

O desastre ocorrido no Rio Grande do Sul demonstra a fragilidade e o despreparo para lidar com eventos climáticos extremos, bem como a necessidade de estruturas resilientes. Apesar do comprometimento de todo sistema logístico na região, é importante destacar que os aterros sanitários, que são estruturas complexas de engenharia, não sofreram nenhum colapso com as inundações e continuaram o seu funcionamento diuturnamente para receber resíduos. Em locais com maior vulnerabilidade climática, será preciso repensar toda a infraestrutura, e isso inclui o manejo de resíduos sólidos.


É importante destacar que a gestão de resíduos é uma grande logística reversa do processo de produção e consumo, portanto, da mesma forma que a logística da distribuição de bens e consumos na região foi afetada, a remoção do resíduo também foi. A questão é como tornar a logística resiliente diante de situações desta natureza. Sem dúvida, a drenagem adequada das cidades afetadas deverá ter uma atenção especial, para que as vias de acesso e saída da cidade permaneçam em funcionamento, permitindo que os serviços não sejam interrompidos.

Que importância tem a gestão de resíduos para a recuperação do RS após a catástrofe climática de maio?

Grande importância, primeiramente para a saúde pública. Resíduos nas ruas são vetores de doenças e, portanto, a limpeza da cidade é de extrema importância após uma catástrofe como essa. Por outro lado, a limpeza ajuda na desobstrução das vias de acesso para restabelecer a mobilidade na cidade.

Uma gestão eficaz é capaz de evitar ou, pelo menos, reduzir o impacto de novas cheias no RS?

A questão de cheias está diretamente relacionada a uma gestão eficiente da drenagem da cidade. Uma drenagem precária irá impactar toda logística, inclusive a da gestão de resíduos. No entanto, a ausência de uma gestão de limpeza urbana, ou seja, remoção dos resíduos das vias ou ausência de coleta, pode resultar no entupimento de bocas de lobo, no caso de fortes chuvas, impactando a drenagem de uma cidade.


Há tipos de resíduos. Como eles se subdividem e quais são os mais prejudiciais ao meio ambiente?

Em linhas gerais existem dois tipos de resíduos: os perigosos e não perigosos. Os não perigosos são ainda subdivididos em não inerte e inerte. Os perigosos são aquelas mais prejudiciais ao meio ambiente, especialmente metais pesados que são persistentes e podem trazer danos irreversíveis à saúde humana. Os resíduos de saúde também precisam ser tratados adequadamente para não trazer danos à saúde pública. Porém, mesmo os resíduos não perigosos e não inertes, como é caso do nosso lixo domiciliar, quando depositados em lixões, produzem chorume, um líquido tóxico que contamina os corpos hídricos. Portanto, é de extrema importância o papel dos aterros sanitários, que possuem uma estrutura adequada para capturar tanto o chorume, assim como os gases resultantes do processo de decomposição dos resíduos.

Economia circular, logística reversa. Termos assim são cada vez mais escutados. São práticas suficientes para a melhoria na gestão? Quais outras são importantes?

A gestão de resíduos compreende uma série de tratamentos e valorizações de resíduos e não se restringe apenas à recuperação mecânica, ou seja, à reciclagem, como prevê a logística reversa. Existe também a recuperação energética, que é a geração de energia ou combustível a partir dos resíduos.

O biometano, gerado nos aterros sanitários, é um bom exemplo disso. Existe também a recuperação biológica aeróbia, que é a compostagem e, por fim, temos também a recuperação química ou reciclagem química, que consiste na transformação dos resíduos plásticos em insumos químicos, combustíveis ou matéria-prima para a fabricação de novos produtos plásticos.


Precisamos ampliar nossa visão sobre a valorização de resíduos observando como acontece na natureza. Na natureza uma árvore não se transforma necessariamente em uma nova árvore, mas sim em componentes naturais como nutrientes, gases e outros compostos que são reaproveitados dentro de diversos ciclos naturais. Devemos também pensar assim sobre os resíduos e avaliar quais valorizações fazem mais sentido caso a caso e não insistir em uma via apenas. Podemos e devemos reinserir componentes de volta à cadeia produtiva quando possível, mas podemos e devemos seguir outras rotas de valorização sempre observando o trade-off entre as opções. No ano passado a Lego, indústria de brinquedos, parou de utilizar material reciclado na confecção de seus produtos, pois identificaram em estudos que o impacto climático era maior do que se voltasse a utilizar matéria-prima virgem.


A Abrema é uma fusão de outras entidades, certo? Como é desenvolvido o trabalho da associação?

A Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente – Abrema é fruto da

união entre a ABRELPE (fundada em 1976) e a Abetre (fundada em 1997),

entidades que compartilhavam a representação das empresas da cadeia de

gestão ambientalmente adequada dos resíduos sólidos no país.

Essa integração estendeu também à governança da ABREMA para o Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana de São Paulo (Selur) e para o Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), expandindo substancialmente seu espectro de atuação.

O propósito mais urgente da nova associação é alertar a sociedade para a importância do setor de manejo e tratamento dos resíduos na redução dos danos que poderiam provocar o meio ambiente e no combate às alterações climáticas que ameaçam a civilização humana. Para tanto, as empresas associadas oferecem soluções técnicas que permitem transformar passivos ambientais em ativos renováveis, ajudando a pavimentar o caminho para uma economia circular e de baixo carbono no Brasil.

Em apenas um ano a Abrema, consolidando-se como detentora de profundo conhecimento especializado e voz técnica e influente do setor, adquiriu abrangência nacional, e alcance internacional, sendo reconhecida pelo seu compromisso com a sustentabilidade ambiental, com as boas práticas empresariais e pela contínua defesa da elevação dos padrões de qualidade técnica nos serviços de gestão de resíduos.

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Fonte
: Zero Hora
https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2024/09/precisamos-ampliar-nossa-visao-sobre-a-valorizacao-de-residuos-afirma-diretor-de-entidade-nacional-do-setor-cm0bh5ld600bn014uti7kk98m.html