O GLOBO – 21/10/2024
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a julgar nesta semana um conjunto de recursos contra as ações que analisaram o Código Florestal. Estão sendo discutidas a forma de realizar a compensação nos casos de desmatamento além do permitido em áreas de reserva legal e se deve ser mantida a proibição de aterros sanitários em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Um grupo de cinco ações sobre o Código Florestal foi julgado em 2018, seis anos após a aprovação da lei. Na época, o STF reconheceu a validade de vários dispositivos do código e declarou alguns trechos inconstitucionais. Foram apontadas, no entanto, contradições na decisão, e são esses pontos serão analisados agora.
Uma das questões é sobre a compensação da reserva legal, uma parcela de 20% a 80% da vegetação nativa das propriedades que precisa ser conservada. Caso esse percentual tenha sido descumprido, um dos mecanismos de compensação é a Cota de Reserva Ambiental (CRA), um título que representa uma área e pode ser comercializado.
Um trecho do Código Florestal, que foi valido pelo STF, determina que essa compensação pela CRA só pode ser feita caso as duas áreas sejam do mesmo bioma. Entretanto, ao analisar outra parte da lei, os ministros decidiram que a medida só pode ocorrer quando houver a chamada “identidade ecológica” da mesma área, um conceito mais restritivo. Por isso, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o PP afirmaram que há uma contradição.
Outro ponto do julgamento que está sendo questionado foi a determinação de que a gestão de resíduos não é uma atividade de utilidade pública, o que, na prática, impede que seja feita dentro de áreas de preservação. O recurso alega que um aterro sanitário não é sinônimo de “lixão” e que por isso pode ser permitido.
O relator é o ministro Luiz Fux. No ano passado, quando o julgamento começou no plenário virtual, o ministro acolheu em parte os embargos. Em relação à compensação, Fux considerou que ela sempre deve ser feita de acordo com a identidade ecológica, e não pelo bioma. Essa identidade seria avaliada a partir de critérios como solo, biodiversidade, microbacia hidrográfica e degradação ambiental.
Em relação aos aterros, o relator aceitou modular a decisão: os aterros considerados regulares podem continuar funcionado dentro de APPs pelo prazo de três anos, contados a partir do fim do julgamento.
Até agora, três ministros seguiram Fux: Rosa Weber (já aposentada), Cármen Lúcia e Edson Fachin, que divergiu apenas sobre o início de contagem do prazo dos três anos, que seria a partir da publicação da ata do julgamento dos embargos.
Gilmar Mendes abriu uma divergência parcial: concordou com a imposição da identidade ecológica, mas considerou que a gestão de resíduos em APPs deve ser permitida nos termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (de 2010), com a exclusão, “em qualquer hipótese”, de lixões.
Já Alexandre de Moraes apresentou a maior discordância. Para o ministro, o julgamento deve ser alterado, mas no sentido oposto, de permitir a compensação pelo bioma. Os aterros sanitários teriam um prazo maior, de 10 anos, para serem desativados. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, acompanhou Moraes.
Apesar de já ter votado, Gilmar Mendes pediu destaque, o que levou o julgamento para o plenário virtual. Agora, cada ministro pode optar por manter seu voto ou alterá-lo.
Risco de inviabilização
No ano passado, o Climate Policy Initiative, organização cuja unidade brasileira tem parceria com a PUC-Rio, divulgou uma nota técnica avaliando os possíveis efeitos do julgamento, focando na discussão sobre a compensação.
O documento considera que a exigência da identidade ecológica traria impactos negativos, como a insegurança jurídica em relação às áreas já regularizadas e a necessidade de revisão da regulamentação da maioria dos estados.
Cristina Leme Lopes, gerente sênior de pesquisa do CPI e uma das autoras da nota, afirma que apesar da intenção ser de maior proteção ao meio ambiente, o critério da identidade ecológica pode ser pouco efetivo na prática:
— Na lei anterior, os critérios eram muito restritos. Não é à toa que se adotou o critério do bioma. É um critério mais alargado, sim, mas que pode trazer alguma efetividade prática, e esse foi o objetivo da lei. O impacto (de uma mudança) é paralisação da agenda, insegurança jurídica e eventualmente uma nova leva de judicialização.
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