O GLOBO – 28/11/2024

Um panorama sobre a limpeza das cidades brasileiras aponta que 31,9% dos municípios ainda usam lixões como destinação final de resíduos. Essa é a alternativa mais utilizada no país, apesar de ser considerada a pior maneira de descarte. Os aterros sanitários, considerados a solução ambientalmente mais adequada por não gerar contaminação do lençol freático, é opção para 28,6% das cidades. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2024, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta quinta-feira (28).

Os aterros controlados, que representam uma alternativa intermediária entre lixões e aterros sanitários, são usados para destinação de resíduos em 18,7% das cidades.

O levantamento do IBGE foi realizado junto às prefeituras de todas as 5.570 cidades brasileiras. Na análise feita, levou-se em consideração municípios com pelo menos uma unidade de disposição final de resíduos sólidos, além de considerar válida a contabilização de mais de uma forma de descarte de lixo em uma mesma localidade.

Lixões são depósitos irregulares de lixo a céu aberto, sem controle ou tratamento. De acordo com o geógrafo Danielson Souza, pesquisador do Laboratório de Geografia Física e Ensino do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), eles causam sérios impactos ambientais e sociais por contaminar o lençol freático, poluir rios e solos e afetar a saúde de quem vive próximo a essas áreas, expondo moradores a doenças.

— O despejo irregular do lixo causa uma grande perda de biodiversidade vegetal, para além de gerar a emissão do gás metano, que causa a intensificação do efeito estufa e contribui para o aquecimento global. Para a população os problemas vão desde o odor até a proliferação de doenças, seja por conta da poluição da água e solo ou devido ao contato com o próprio lixo — explica o geógrafo.

Região Norte lidera

A região Norte é a que mais utilizava lixões, com 73,8% dos municípios ainda com vazadouros a céu aberto. Apenas 10,4% optaram por aterros sanitários e 18,7% utilizaram aterros controlados.

Em Envira, cidade a 1.208 quilômetros de Manaus, o lixão criado em 2014 e gerenciado pela prefeitura permanece sem solução. A instalação irregular toma aproximadamente 400 metros de uma rua que dá acesso à comunidade indígena Cacau do Tarauacá, onde vivem 320 indígenas do povo Kulina.

Em junho de 2019, a pedido do Ministério Público do Amazonas (MPAM), a Justiça do estado deu um prazo para que a prefeitura de Envira desativasse o lixão e instalasse um aterro sanitário na cidade. Na decisão, o juiz Ian Andrezo Dutra estabeleceu uma lista de medidas que deveriam ser efetuadas, como abertura de valas sépticas em 90 dias para a disposição de resíduos em local adequado e que fosse apresentado, em 120 dias, um plano de licenciamento ambiental para um novo aterro sanitário.

Até agosto deste ano, no entanto, em última nota divulgada pelo MPAM, o município não havia cumprido nenhum desses itens. O GLOBO pediu atualizações do caso tanto para o Ministério Público quanto para a prefeitura de Envira, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Além do Norte, o Nordeste também apresentou uma alta dependência de lixões, com 51,6% das cidades utilizando esse tipo de unidade, 22,4% adotando aterros sanitários e 15,1% utilizando aterros controlados.

De acordo com o professor Caio Fontana, do departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos fatores que leva à maior incidência de lixões em ambas as regiões é a disposição das cidades. Especialmente em áreas mais interioranas, a conjuntura é de municípios com poucos habitantes, mas grande extensão de terra.

O fato de serem distantes uma das outras também dificulta o compartilhamento de aterros sanitários, que, por sua vez, demandam alto financiamento das gestões públicas. Outro fator importante, de acordo com o especialista, é que o processo de construção dos aterros inclui desmatamento florestal e, portanto, requer estudos robustos em áreas como a Amazônia Legal.

— O Norte e Nordeste não segue a lógica do Sudeste, por exemplo, em que cidades de São Paulo podem compartilhar um mesmo aterro por serem mais próximas. O aterro é um empreendimento caro e, muitas vezes, inviável para cidades pequenas. Nessas localidades mais afastadas e extensas é preciso pensar em soluções que envolvam uma política rigorosa de coleta seletiva, para que seja mais fácil separar resíduos recicláveis de orgânicos, e pensar em processos de biodigestão do lixo — explica Fontana.

‘Risco ambiental’ em Magé

O Sul se destaca como a região que menos utiliza lixões, com apenas 5,7%. A maioria dos municípios recorre a aterros sanitários (34,3%), enquanto 14,3% empregam aterros controlados. Já o Centro-Oeste apresenta alta dependência de lixões, com 52,9% das cidades adotando esse equipamento. Apenas 20,1% dos municípios utilizam aterros sanitários, enquanto 18,6% optam por aterros controlados.

No Sudeste, observa-se uma situação mais equilibrada em relação ao destino do lixo, com 38,4% dos municípios utilizando aterros sanitários e 25,9% optando por aterros controlados. A utilização de lixões é significativamente menor nessa parte do país, abrangendo apenas 12,1% dos municípios.

No Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) informou que continuam ativos os lixões dos municípios de São Fidélis e Magé. Em 2023, os municípios de Teresópolis, Miracema, Porciúncula e Bom Jesus do Itabapoana encerraram seus lixões e passaram a destinar seus resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários.

A situação no bairro de Bongaba, em Magé, na Baixada Fluminense, no entanto, ainda preocupa autoridades e ambientalistas. O lixão foi reativado em 2021 após a Câmara do município aprovar o projeto do então prefeito, Renato Cozzolino, que permitiu que o espaço recebesse resíduos de outros municípios. Na época, o Tribunal de Justiça do Rio, que já havia proibido o despejo irregular de lixo em Bongaba, notificou a prefeitura, que ainda assim levou o projeto adiante.

A montanha de lixo está localizada no território do Quilombo Bongaba, que abriga mais de 250 famílias que correm risco de contaminação. Por também estar próximo a um rio que deságua na Baía de Guanabara, o vazadouro a céu aberto é considerado um “risco ambiental” pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Procurada, a prefeitura de Magé não retornou à reportagem.

Apesar de estarem desaparecendo aos poucos, o Brasil ainda não conseguiu cumprir uma das ditrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que estabelece prazos para a implementação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Seguindo as datas estabelecidas, os últimos lixões deveriam ter sido encerrados até agosto de 2024. No entanto, especialmente em cidades com menos de 50 mil habitantes, eles persistem por falta de articulações que viabilizem a instalação de aterros sanitários. Cerca de 21,5% desses municípios ainda contam com lixões como unidade de disposição final dos resíduos sólidos, de acordo com o IBGE.

Lixões dominam Amazônia Legal

Estados da Amazônia Legal, como Amazonas (91,9%), Maranhão (86,2%), e Pará (82,6%) apresentaram os maiores índices de uso de lixões. Roraima e Ceará também enfrentam grandes desafios, com cerca de 80% dos municípios enviando os resíduos a lixões.

Por outro lado, estados mais desenvolvidos economicamente, como São Paulo (2,9%) e Santa Catarina (1,7%), possuíam percentuais muito baixos de municípios que ainda utilizavam lixões.

O Distrito Federal, que anteriormente abrigava o Lixão da Estrutural, maior lixão à céu aberto da América Latina, apresenta um cenário mais positivo ao ter erradicado essa prática, em 2018. Alagoas e Pernambuco também se destacam por suas melhorias, com Alagoas já livre do uso de lixões e Pernambuco avançando significativamente para erradicar essa prática. Atualmente, há apenas uma cidade que ainda dispõe os resíduos nesse tipo de unidade.

Coleta seletiva

No país, 60,5% das cidades fazem coleta seletiva — sistema de recolhimento de lixo que separa os materiais recicláveis dos não recicláveis, facilitando o seu reaproveitamento pelos catadores e pelas indústrias de reciclagem. Já 56,7% implementaram instrumentos legais que tratam sobre coleta seletiva, indicando que há uma aproximação entre a legislação e a prática em pouco mais da metade dos municípios brasileiros.

Um dos marcos legais do país é a Lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essa legislação estabelece que os resíduos devem ser separados em categorias como recicláveis, orgânicos e rejeitos, a fim de facilitar sua destinação adequada. Também prevê a responsabilidade compartilhada entre governo, empresas e cidadãos na gestão dos resíduos e exige que os municípios implementem sistemas de coleta seletiva.

A norma, no entanto, está ainda mais aquém no Nordeste, onde apenas 33,5% das cidades fazem coleta seletiva. Na região Norte essa taxa chega a 37%. Em ambas as regiões, a atividade predominante ainda é a coleta de lixo convencional, no qual todo lixo gerado é coletado junto e levado diretamente para os aterros sanitários.

Catadores informais predominam

Em 5.557 municípios mapeados que possuíam o serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, 4.093 (73,7%) indicaram presença de catadores informais. Já as entidades de catadores que atuavam na coleta seletiva estavam presentes em 1.498 (27,0%) dos municípios.

O Sudeste foi a região com maior percentual de locais com catadores informais (78,0%), e liderou em termos de entidades de catadores, prestando serviço de coleta seletiva em 33,5% dos municípios.

No Brasil como um todo, dos 4.093 cidades que contaram com a presença de catadores informais, 87,8% informaram presença deles na área urbana, enquanto 14,5% registraram catadores informais na área rural.

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Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/11/28/predominante-no-pais-mais-de-30percent-dos-municipios-ainda-usam-lixoes-para-destinacao-final-de-residuos-aponta-ibge.ghtml

LIXO PROTELADO

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